O governo do presidente Lula vai separar os “CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) de verdade” e fechar os clubes de tiro ilegais no Brasil. O anúncio foi feito pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, em entrevista ao canal Gov, na quarta-feira (26). Segundo ele, os clubes de tiro cresceram sem qualquer regulamentação nos últimos anos, e muitos serviram para desviar armas para o mercado ilegal.
“Nós estamos preocupados com a situação dos clubes de tiro que não cumprem a lei. Então a diretriz do presidente vai ser cumprida com o novo decreto que ele editou. Tem muita gente reclamando, eu lamento porque são pessoas que fazem um discurso falso de defesa da liberdade. Existe liberdade em matar? Existe liberdade para cometer crime? Existe liberdade para fraudar, desviar arma para quadrilha? Não”, afirmou Dino.
Nos últimos quatro anos, o governo passado autorizou, em média, a abertura de um clube de tiro por dia, totalizando 1.483 registros concedidos. Esses locais passaram a atuar como verdadeiros comitês do bolsonarismo e de estímulo à violência política, como têm alertado o presidente Lula, o ministro Dino, a presidenta do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), além de outros políticos e também especialistas.
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Além da multiplicação de clubes de tiro no país, o número de CACs também explodiu durante o governo passado, de 117,5 mil, em 2019, para 783,4 mil, em dezembro de 2022. Esse contingente, hoje, é maior que os efetivos nacionais das Forças Armadas e das polícias militares.
“O presidente tem alertado para separar o joio do trigo. Quem é colecionador de verdade, caçador, atirador esportivo, muito bem, uma atividade legítima. Agora, o presidente deu essa diretriz e vamos cumprir para intensificar a fiscalização de clube de tiro e, aqueles que não cumprem a lei, obviamente serão fechados”, disse Flávio Dino, na entrevista.
Recorde
O número de armamentos roubados ou desviados de CACs ou clubes de tiro bateu recorde em 2022, com 1.315 casos registrados. Ou seja, a cada dia, três armas regulares registradas no país foram extraviadas. Os dados foram compilados pelo Exército por meio do Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma) e obtidos pelo jornal O GLOBO através da Lei de Acesso à Informação (LAI).
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Em outubro do ano passado, por exemplo, a Justiça de Mato Grosso do Sul decretou sete mandados de busca e apreensão nos municípios de Campo Grande e Maracaju, quando a Polícia Federal (PF) investigava, com apoio do Exército, o transporte e a venda ilegal de armamentos de grosso calibre desviados de CACs, de clubes de tiro e de armeiros no estado. Segundo a investigação, as armas estavam em nome de “laranjas” e seriam utilizadas em crimes violentos, como roubos a comércios, bancos e até tomada de cidades.
À época, a PF prendeu Narciso Chamorro, portador de autorização de CAC, em Campo Grande. Com ele foram apreendidos quatro fuzis calibre 7.62, três pistolas 9 mm de fabricação americana com “kit rajada”, coletes balísticos com identificações falsas da Polícia Civil, balaclavas e várias munições.
Em março deste ano, a Polícia Civil do Espírito Santo descobriu que um fuzil 5.56 apreendido em posse de uma quadrilha de traficantes em Vila Velha constava como furtado no sistema do Exército. A arma estava registrada em nome de um CAC que havia obtido o certificado em 2021 e, graças a um decreto baixado por Jair Bolsonaro no início do seu governo, conseguiu adquirir o fuzil — esse tipo de calibre era restrito, até então, às forças de segurança.
Decreto
O decreto de Lula foi assinado no último dia 21, durante o lançamento do Programa de Ação na Segurança (PAS), que prevê uma série de medidas de combate à violência contra a mulher, aos ataques a escolas, ao tráfico de drogas, aos crimes ambientais, bem como de proteção da região amazônica, de valorização dos profissionais de segurança, de desenvolvimento de operações integradas entre forças policiais e de reforço das restrições para acesso a armas de fogo, que foram afrouxadas pelo governo passado com o intuito de armar a população.
Conforme o decreto, deverá haver uma “migração progressiva” das atividades de fiscalização de armas, hoje sob responsabilidade do Exército, para a Polícia Federal. Com isso, na prática, o controle do armamento civil passa para uma instituição civil, retirando os militares do processo.
A norma também estabelece novas regras, mais restritas, para clubes de tiro desportivo. Ficam proibidos, por exemplo, os estabelecimentos com funcionamento 24 horas. Antes, não havia regra sobre a localização ou o horário de funcionamento desses clubes, que podiam ficar, inclusive, perto de escolas.
Com as mudanças, os clubes de tiro e empresas de instrução terão de ficar a pelo menos 1 km de distância de escolas públicas ou privadas. O horário de funcionamento terá que respeitar o limite entre 6h e 22h. A mudança do horário de funcionamento, segundo o decreto, é de caráter imediato. As outras adequações, em um prazo de 18 meses.
PTNacional