Em entrevista ao jornal El País, a presidenta legitimamente eleita, Dilma Rousseff, afirma que o grupo golpista que tomou o poder e atropelou a democracia “entrou no governo como uma horda de hunos”, fazendo referência às tribos que apareceram na Europa no século IV e conquistaram vários territórios à força. A presidenta também disse que está disposta a reaver a democracia brasileira, que foi maculada com o golpe. “Luto para voltar (…) Para isso usamos o oxigênio do debate, para matar os parasitas da democracia. Devemos mostrar o que está em jogo aqui. Não é só o impeachment”, disse.
Leia entrevista a seguir.
El País – Por que atribuir que entraram no governo como uma horda de hunos?
Dilma Rousseff – Você não pode entrar no Governo e rasgar o programa eleitoral que foi votado por 54 milhões de pessoas. Extinguem o Ministério da Cultura. Depois voltaram atrás, mas o que eles acham que devem fazer é o que fazem primeiro. Querem fazer uma reforma da Previdência que não prevê o aumento da inflação para os que ganham salário mínimo, que são 70%. E querem privatizar a Petrobras…
El País – Ainda não fizeram nada disso…
Dilma — Mas querem. Eles querem acabar com o pré-sal (uma gigantesca jazida de petróleo localizada abaixo do leito do mar) modificando o sistema de exploração para favorecer as grandes empresas. E querem acabar com a política de saúde e educação. Não têm legitimidade, mas já enviaram ao Congresso uma medida que compromete nesses setores não só o futuro de dois anos, o que já é um absurdo, mas de 20.
El País – Que medida?
Dilma — A que limita as despesas em educação e saúde ao que foi gasto no ano anterior mais a inflação. O Brasil não é um país de população idosa. Pelo contrário: é de uma crescente população jovem. De modo que isso equivale a reduzir os gastos de educação per capita sistematicamente.
El País – Mas os mercados parecem ter se acalmado.
Dilma — Você acredita nisso? Eu acho que os mercados são bastante realistas, e até agora não mostraram nenhuma euforia. Este Governo tem três ministros que já caíram e algum outro engatilhado. E todos pelo mesmo motivo: a corrupção. E isso coloca o Governo em uma situação complicada. É um Governo que se diz de salvação nacional, mas, na realidade, é de salve-se quem puder?
El País – Vai conseguir convencer os senadores necessários para voltar? Acredita que irá voltar?
Dilma — Luto para voltar. É crucial para convencê-los. Para isso usamos o oxigênio do debate, para matar os parasitas da democracia. Devemos mostrar o que está em jogo aqui. Não é só o impeachment. É a história. A história está sendo registrada. O sistema político brasileiro está em colapso: o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, está afastado do cargo. O procurador-geral pediu para prender o presidente do Senado, Renan Calheiros. Minha volta tem a ver com meu mandato, mas também com a reconstrução da democracia no Brasil. É preciso perguntar o que o povo quer. Não estou dizendo que, se voltar, vai haver uma consulta popular. Estou dizendo que, para que haja uma consulta popular, é preciso que eu volte. Porque o meu mandato é legítimo. E o dele não é.
El País – Por que não fez essa consulta antes?
Dilma — Não tinha sentido. Meu mandato era legítimo.
El País – Mas estava a caminho do impeachment, sua impopularidade era enorme e havia manifestações com milhares de pessoas contra seu Governo…
Dilma — Mas tinha 54 milhões de votos. Em qualquer país do mundo, o fato de ser impopular em um regime presidencialista não leva a novas eleições.
El País – O que vai fazer diferente caso volte ao poder?
Dilma — Não haverá mais acordos com essa coalizão (o PMDB de Michel Temer e de Eduardo Cunha e outros partidos de centro que votaram a favor do impeachment de Dilma). Isso acabou no país. Se voltar, tenho de pensar em como entregar o Brasil ao novo presidente eleito. Teremos que discutir se é possível governar com 35 partidos, se é possível governar sem fazer uma reforma política antes.
El País – E por que não a fez antes?
Dilma — Tentei em 2013. Mas não consegui. Não acredito que o Congresso que governa o Brasil agora aprove uma reforma política.
Foto: Vanessa Anholete