O governador e ex-prefeito temporão de São Paulo, João Doria (PSDB), quer fazer crer que o Brasil vai devagar, mas São Paulo vai rápido. Disse ele em artigo nesta Folha que o estado de São Paulo cresceu 2,6% em 2019, ante 0,9% nacionalmente. Ligeiro como de hábito, Doria não cita as fontes. Supõe-se que, no primeiro caso, ele se refira aos 2,5% informados pela Fundação Seade. No segundo caso, nada se sabe.
O IBGE, responsável pelas contas nacionais, só divulgará o dado do PIB de 2019 no próximo dia 4 de março. Aí saberemos, oficialmente, o PIB do país e do estado.
São Paulo, especialmente sua capital, não é uma “ilha da felicidade”, diferente do mundo. E o que ocorre aqui em nossos dias é o avanço implacável da desigualdade social, a exemplo do que ocorre nas demais metrópoles das Américas.
Desde 2013, quando o economista francês Thomas Piketty publicou o best-seller mundial “O Capitalismo no Século 21” e o ex-diretor de pesquisas do Banco Mundial Branko Milanovic lançou, em 2016, “A Desigualdade no Mundo – Uma nova abordagem para a era da globalização”, aumentou muito o conhecimento científico sobre os efeitos da crise iniciada em 2008, assim como sobre o avanço da desigualdade.
A metodologia difere, mas a tendência por eles apontada converge. O 1% mais rico, de milionários e bilionários, fica cada vez mais rico; os 50% mais pobres, ainda mais pobres; os 40% em que se situam a classe média vão sendo achatados, enquanto os 9% seguintes registram um modesto avanço ante à pletora do 1% do topo.
A literatura econômica, mas também a ciência política e a sociologia, identificam nesse fato o avanço do populismo de direita no mundo. Sob Donald Trump e seus êmulos brasileiros, João Doria e Jair Bolsonaro —aliás o “Bolsodoria”, na definição do primeiro—, as instituições e leis fenecem; a democracia corre risco de morte.
Para o povo é o que se vê a olho nu. Explosão do emprego informal, precário e intermitente —hoje, 41% da força de trabalho brasileira. Gente vivendo mais e mais nas ruas. Truculência policial contra jovens e negros periféricos. A volta da fome. A saúde precária e a educação mergulhando num abismo perigoso. Os ricos preparam seus filhos para o mundo nas escolas de elite de R$ 10 mil por mês; os pobres são amontoados em escolas públicas degradadas, para viver e morrer no bairro de sempre.
Dizem esses governantes que vence na vida quem tiver mérito. Mas eles escondem que o berço de ouro define, cada vez mais, o triunfo individual.
Esse mundo de desigualdades intoleráveis entornou o caldo no Chile, na Colômbia e na Argentina. A juventude foi para a linha de frente, e o povo inteiro saiu às ruas para dar um grande basta a esse neoliberalismo sem alma nem compaixão.
Olhando para frente, Piketty e Milanovic também convergem no essencial. Para ambos, é preciso que os governos tributem a renda e o capital de forma justa. Rico paga mais; pobre paga menos ou não paga. Não há outro meio de prover os bens essenciais de saúde, educação e programas sociais ao povo que mais precisa.
O drama de São Paulo, de sua capital em primeiro lugar, é a degradação dos serviços públicos e da rede de proteção do Estado. Ou se arrecada mais e melhor, dos que podem e têm, para investir na saúde, na educação, na cultura popular e no desenvolvimento sustentável, ou teremos uma capital e um estado moldados apenas para os ricos e pelos ricos. Um lugar para poucos. Para os pobres inconvenientes, estão garantidos esculacho, tapa na cara e joelho policial em barriga de grávida.
Carlos Zarattini é Deputado federal (PT-SP)
Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo (07/02/2020)