Em 20 de abril de 2010, a plataforma Deepwater Horizon, operada pela British Petroleum no Golfo do México, explodiu e afundou matando dez trabalhadores. O impacto danificou o poço Macondo, a quase dois mil metros de profundidade, causando um vazamento que jorrou quase 5 milhões de barris de petróleo nas águas do golfo ao longo de 87 dias.
É oficialmente o maior desastre do tipo dos Estados Unidos e o quinto da história mundial. Os estados da Flórida, Alabama, Mississippi, Louisiana e Texas foram atingidos pelo óleo, que encobriu aves marinhas, causou danos às praias e prejuízos para a indústria pesqueira e o turismo. A BP foi alvo na Justiça, sendo processada pelo governo dos Estados Unidos por descumprimento a normas e leis ambientais. Houve um acordo e a petroleira concordou em pagar cerca de US$ 20 bilhões à Casa Branca e aos cinco estados afetados.
Indenizações às vítimas, limpeza, reparação por danos ambientais e multas somaram mais de US$ 65 bilhões, fora a perda de receita e os danos à reputação da empresa, que foi rebaixada por agências de risco, teve suas ações desvalorizadas e precisou vender bilhões de dólares em ativos. Sua sobrevivência chegou a ser colocada em dúvida no auge da crise e até hoje a empresa se recupera suas finanças.
O caso BP, porém, perdeu lugar no ranking das tragédias ambientais do gênero. O avanço do óleo de origem desconhecida sobre o litoral dos estados do Nordeste desde o final de agosto e que na semana passada chegou ao Espírito Santo, na região Sudeste, é considerado de proporções maiores que o do Golfo do México pelo geólogo e geofísico Luciano Seixas Chagas, que trabalhou 31 anos na Petrobras e atualmente presta consultoria no setor de óleo e gás.
Bioma marinho
Ele explica que o golfo é uma imensa baía, caracterizada por um ambiente em que há muito sedimento despejado por diversos rios, e menor quantidade de compostos nutritivos para plantas e animais. “O bioma não é tão rico. O litoral brasileiro é diferente. Só do Rio Grande do Norte até o Espírito Santo são mais de 2.000 quilômetros de extensão, de rico bioma marinho costeiro. Recebe sedimento apenas das embocaduras do rio Amazonas, do São Francisco e do Paraná”, compara. “É uma estupidez, a destruição de um bioma, sobre a qual ainda não tivemos as consequências medidas. E se temos essa medida, eu não vi.”
De acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o bioma marinho costeiro é todo o ecossistema litorâneo que se estende por uma área de 4,5 milhões de quilômetros quadrados, de intensa variação geológica e rica biodiversidade. É onde estão os manguezais, recifes de corais, dunas, costões rochosos, praias, falésias, ilhas, lagoas, restingas, brejos e estuários. Para se ter uma ideia, nesse bioma estão quase 1300 espécies de peixes, 19 delas ameaçadas de extinção e 32 em situação de declínio.
A maior parte desse bioma foi atingido em quase oitenta dias após o aparecimento da mancha na Paraíba, que ainda aparece em praias de Alagoas, Pernambuco e Bahia, no Nordeste, segundo monitoramento do Ibama. Estão prejudicadas atividades de comunidades pesqueiras e marisqueiras, além da pesca como um todo. Sem contar o turismo, que também foi afetado.
“Se eu fosse do governo, contrataria empresa para ajudar o Ibama a fazer esse trabalho em vez de ficar burocratizando as coisas. Os corais, por exemplo, que estão la embaixo, a 5, 10 metros, estão irremediavelmente perdidos. Isso porque a incrustação pelo óleo impermeabiliza as suas fontes de nutrientes. E se chegou a uma área sensível como Abrolhos, pode atingir Royal Charlotte, um complexo de recifes de coral que concentra a maior biodiversidade marinha registrada no Atlântico Sul. Tomara que não chegue ao platô de São Paulo, porque até o rio vai chegar com certeza.”
Chagas critica também a postura do governo de Jair Bolsonaro de minimizar o vazamento, reduzindo-o a uma simples sujeira na praia. Ele defende que o Ministério do Meio Ambiente conduza um conjunto de ações integradas para avaliar e enfrentar os danos causados pelo óleo, e também para identificar, com precisão, os responsáveis pelo vazamento.
“O governo faz as coisas caoticamente. Se fosse eu o ministro (Ricardo Salles), na primeira mancha de óleo do Nordeste, eu pegaria o melhor especialista em correntes marítimas, o melhor em imagens por satélite, e toda uma equipe multidisciplinar, com prazo para resposta, disponibilizando todo o recurso necessário. Se isso foi feito, ninguém sabe, ninguém viu”.
Atraso e incompetência
A demora e incompetência nas ações do governo são criticadas também pelos servidores do Ministério do Meio Ambiente, Ibama, ICMBio e Serviço Florestal Brasileiro. Na última quinta-feira (14), a Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema Nacional) divulgaram nota sobre o derramamento de óleo no litoral brasileiro.
Para os especialistas, as ações de respostas, tardias, são desarticuladas e descoordenadas. Traz como consequência prejuízos na orientação e alertas à sociedade sobre os cuidados com a chegada do óleo nas praias e sobre os riscos ambientais e à saúde que ele pode causar. “Em um acidente dessas proporções a ação individualizada dos agentes não se mostra suficiente para a solução do problema. A omissão do Ministério do Meio Ambiente no seu papel de coordenar a resposta trouxe um cenário de falta de transparência e articulação de ações e informações”, afirmam, no documento.
Eles reprovam a exclusão de órgãos ambientais federais de relevância técnica, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Centro Nacional de Monitoramento de Informação Ambiental (Cenima) e da equipe do Ibama responsável pelo Licenciamento Ambiental das atividades de petróleo e gás, com larga experiência nessa área. Apenas recentemente parte dessas equipes passaram a contribuir nas ações para contenção e mitigação do desastre.
E criticam a limitação do monitoramento a dez quilômetros da costa, para detectar a chegada do óleo à praia, medida que consideram ineficaz para apoiar ações locais e reduzir os danos ambientais. “Indícios do vazamento já indicavam que teria acontecido em alto mar e, portanto, para uma busca mais efetiva da origem do vazamento, seria recomendado que ela acontecesse numa faixa de 200 a 800 km da costa”.
Os especialistas em meio ambiente ainda alertam que o desmonte das políticas e das instituições ambientais causam a morosidade da resposta do Estado brasileiro, com alto custo a sociedade. “O Brasil dispõe de arcabouço legal e de instituições qualificadas que poderiam ter tratado com clareza e eficiência as funções específicas que incumbia a cada entidade nesse tipo de situação.”
Atrasado no enfrentamento aos efeitos e responsabilização do derramamento de óleo, o Brasil não deverá levar muito tempo para sofrer as consequências. Pesquisadores da Universidade da Louisiana já detectaram que a população de caranguejos e camarões próximos ao local do poço diminuiu oito vezes de 2010 para cá. E que muitos animais marinhos das profundezas do mar não foram mais vistos.
Por Rede Brasil Atual
Foto: Salve Maracaípe/Fotos Públicas