Conheça relatos reais de como políticas públicas salvaram crianças da violência sexual

Foto: Divulgação

No Dia Nacional de Combate à Violência Sexual contra crianças e jovens, levantamos três casos de crianças que foram resgatadas e/ou acolhidas pelo Estado. Esse tipo de conquista só foi possível graças a uma série de políticas públicas implementadas ao longo das últimas décadas e intensificada, principalmente, nos anos de governo do PT.  Os casos aconteceram há mais de dez anos, de modo que nenhuma criança será exposta.

Apesar de uma década, esses relatos seguem mais atuais do que nunca e uma realidade que impera sobre muitas famílias brasileiras.  Importante constatar que, nos três casos relatados, o depoimento das crianças e a atenção de um adulto responsável ao que está sendo relatado por elas, de forma direta ou indireta, foram determinantes no traçado do destino dessas meninas.

Ouvir e acreditar nas crianças é fundamental para dar o primeiro passo no sentido de acionar os mecanismos de proteção da criança e do adolescente. Estabelecer vínculos e usar a estratégia do “não gostou? Conte para alguém de confiança” também estão entre as ferramentas indicadas pelos especialistas para identificar abuso sexual infanto-juvenil.

Legislação é importante, mas não deve ser a única estratégia

O primeiro grande marco do Brasil na defesa da criança e adolescente foi em 1988, com a criação do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). Pioneiro à época, o Estatuto inspirou mais de quinze reformas legais na América Latina e deu início a uma série de políticas públicas na proteção de crianças e jovens no país.

No entanto, a legislação apenas não basta.

A elaboração e implementação de políticas públicas são essenciais para que o Estado exerça sua função de proteção social.  Mara Ferrari, aposentada, atuou como Secretária de Desenvolvimento e Promoção Social durante doze anos, em municípios no interior de São Paulo, e tem mais de 20 anos de atuação em políticas de assistência social. Com experiência em acompanhamento desses tipos de caso, ela fala sobre as políticas públicas que são efetivas no combate e prevenção ao abuso sexual de crianças dentro de casa — e aponta os programas de transferência de renda como elementares. 

 “Programas como Bolsa-Família, Minha Casa Minha Vida, por exemplo, permitem que mães consigam tirar seus filhos de uma situação de violência. O fortalecimento dos CRAS, CREAS e Conselhos Tutelares garantem que a rede de proteção seja ágil e eficiente, tirando as crianças do perigo e dando alternativas para as famílias reconstruírem suas vidas. Eu vi isso na prática”, reforça Ferrari.

Mara também relaciona as políticas intersetoriais na área de educação, como formação de professores, escolas em período integral e educação sexual nas escolas; e saúde com reforço na Atenção Básica.

Confira casos onde esta articulação intersetorial de políticas públicas funcionaram para salvar vidas e retraçar destinos. 

Cenourinha do papai. 

A avó procurou a Secretaria de Desenvolvimento Social do município, às 8h da manhã, dizendo que gostaria de conversar com uma profissional e relatou o caso.

Na mesa de almoço de domingo, a criança de quatro anos não queria comer. Todos os parentes foram envolvidos na tarefa de alimentar a criança, sem resultado. A avó ofereceu cenourinhas pequenas em conserva, que a neta gostava muito, e a criança negou. E então o pai da criança foi fazer a menina comer as cenourinhas. Aos prantos, a menina cuspiu a cenoura e disse para o pai: “prefiro comer a sua cenourinha que sai caldinho”. A avó ficou perplexa e foi conversar com a neta. E então ela contou que gostava mais da cenourinha que o papai dava para ela toda noite.

A partir do relato da avó, seguem as providências que foram tomadas.

  1. Preservar a identidade da família toda, principalmente da criança
  2. Envolver segurança pública, judiciário, educação, saúde, assistência social, psicológica
  3. Ouvir a criança e considerar a sua versão dos fatos
  4. Depois de apurar a situação, o MP deu autorização para que a criança fosse retirada do convívio do ambiente violento
  5. A avó ganhou a guarda da criança e se mudou de cidade

Vizinho agressor

A adolescente de 12 anos morava em uma casa de fundos. Ela voltava da escola à tarde e cuidava do irmão de 5 anos, enquanto a mãe trabalhava. O vizinho fazia “visitas” em que abusava da jovem. Ela chegou a contar para a mãe, que a agrediu, dizendo para se calar. A vítima resolveu contar na escola. Os procedimentos foram tomados:

  1. Agente comunitário de saúde e Estratégia Saúde da Família foram chamados
  2. A equipe multidisciplinar de Proteção Social foi acionada
  3. Os procedimentos de coleta de depoimento, averiguação ocorreram dentro da escola, onde a criança se sentia mais segura
  4. Sistema judiciário e de segurança foram acionados
  5. Ficou comprovada a negligência da mãe no tratamento dos dois filhos e o fato dela permitir o abuso da adolescente em troca do aluguel da casa de fundos
  6. Uma vizinha idosa testemunhou em favor da vítima e conseguiram prender o vizinho agressor
  7. As crianças foram para um abrigo e, em seguida, acolhidos por uma tia materna

Salva pelo irmão de seis anos. 

Dois irmãos, uma menina de seis, e um menino de três anos, foram encontrados por Guardas Municipais à beira de uma rodovia. Ela estava de camisetinha e calcinha e o irmão apenas de shortinho.

A Guarda acionou os profissionais de assistência social da cidade. Em conversa com o menino de seis anos, que aparentava problemas mentais, ele contou que o homem mau fez dodói na irmã. E então, a equipe constatou ferimentos na vagina da menina que foi levada ao hospital. No dia seguinte, as crianças foram levadas ao bairro próximo de onde foram encontradas e, por meio da escola em que estudavam, a equipe de assistência social e a polícia descobriram o endereço da residência. O menino identificou o homem mau que era o próprio padrasto. Os irmãos foram para um abrigo social.

O papel do Conselho Tutelar

Mara reforça a importância do funcionamento dos Conselhos Tutelares que, geralmente, atendem as demandas que são trazidas por meio das escolas. “Mudar a lógica de atendimento do Conselho Tutelar para priorizar visitas nas casas pode ser uma medida efetiva importante”, propõe Mara.

Ela ressalta que, para isso, o investimento em equipamentos de segurança, transporte e infraestrutura, além de um protocolo adequado de aproximação e conversa são estratégicos para que isso funcione de forma adequada.

 Itamar Gonçalves, gerente de Advocacy da ONG de proteção à infância e à adolescência Childhood Brasil, detalha em quatro passos como os adultos poderiam trabalhar a educação sexual com as crianças, ao longo das fases da vida.

  • Nos primeiros anos de vida, é importante trabalhar as diferenças dos corpos e ensinar a nomear quando se sente em risco. Segundo ele, muitas crianças chegam na justiça sem saber nomear as partes do corpo
  • Depois dos 5 anos, é interessante também explicar sobre o que é público e o que é privado, e ensinar quais partes do corpo devem ser privadas. Quando a criança que sabe que é dona do seu corpo, já é possível trabalhar mais a fundo sobre segurança pessoal
  • A partir dos 8 anos, já é possível desenvolver as regras de conduta dentro da própria família.

Ana Clara Ferrari, Agência Todas

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