Em recente relatório apresentado à Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o especialista independente sobre dívida externa e direitos humanos, Juan Pablo Bohoslavsky, destacou impactos da implementação da Emenda Constitucional 95/16 para a vida das mulheres brasileiras. A emenda, que antes de ser aprovada e promulgada ficou conhecida como “PEC da Morte”, determina o congelamento do orçamento público por 20 anos para áreas como saúde e educação, condicionado apenas à variação da inflação anual.
Os impactos de quase dois anos de implementação já são sentidos, em especial, por mulheres, crianças e a população negra. De 2016 a 2017, o número de pessoas em situação de extrema pobreza no País passou de 13,34 milhões para 14,83 milhões, o que significa aumento de 11,2% (Dados Pnad Contínua/IBGE). Ou seja, em um ano, mais 1,5 milhão de pessoas passaram a viver com até R$ 136 mensais, linha de corte adotada pelo Banco Mundial para países em desenvolvimento.
O corte de gastos prejudica potencialmente as mulheres: de 2014 a 2017 o aumento do desemprego entre as mulheres brancas cresceu 73%. Já entre as mulheres negras quase dobrou: houve um acréscimo em 96% na taxa de mulheres negras desempregas neste período. A verba destinada a políticas públicas voltadas para a promoção da autonomia e o combate à violência sofrida por mulheres foi reduzida de R$ 147 milhões em 2014 para R$ 24 milhões em 2018, ou seja, uma queda de 83% – o que significa quase a paralisação das ações para a área. (Dados Estudo Austeridade e retrocesso: impactos sociais da política fiscal no Brasil).
“No Brasil, a Emenda Constitucional 95, que congelou gastos públicos por 20 anos, fez que não fossem construídos novos abrigos para mulheres desde 2017. O Brasil atualmente tem uma das taxas mais altas de feminicídio do mundo e tem experimentado, recentemente, um aumento significativo na violência contra as mulheres”, aponta um trecho do relatório do especialista da ONU no documento apresentado à Assembleia Geral
A citação faz referência à precarização do atendimento das “Casas das Mulheres Brasileiras” – espaço físico que disponibiliza o fornecimento combinado de serviços especializados para vítimas de violência: acolhimento e triagem, apoio psicossocial, delegacia, Juizado, Ministério Público, Defensoria Pública, promoção de autonomia econômica, cuidado das crianças, alojamento de passagem e central de transportes.
A proposta inicial da Casa da Mulher Brasileira, lançada em 2013 como parte do “Programa Mulher, Viver sem Violência” e coordenada pela Secretaria de Políticas para Mulheres da Presidência da República, com participação dos municípios, previa a construção de unidades nas 25 capitais do País. No momento, apenas três casas operam – Campo Grande (MS), Curitiba (PR) e São Luis (MA) – ainda com execução bem abaixo da meta. Em 2017, primeiro ano de vigência da Emenda 95, nenhuma unidade foi construída. (Dados Oxfam/Inesc)
Em paralelo, houve crescimento nos registros de casos de feminicídio – assassinatos de mulheres cometidos em razão do gênero. O Anuário da Segurança Pública 2017 apontou que houve aumento em 6,1% de homicídios registrados de mulheres no ano passado, em relação à 2016. Na contramão deste cenário, houve redução em 15% no mesmo ano no número de serviços especializados dirigidos a mulheres vítimas de violência. (Dados Inesc/Oxfam)
Escuta à sociedade – No primeiro semestre de 2018, Juan Pablo Bohoslavsky realizou escuta aos diferentes movimentos populares, organizações sociais e pesquisadores diversas áreas sociais e da macroeconomia sobre os impactos nos direitos humanos pela adoção de uma política econômica de cortes sociais. O relatório recém apresentado à ONU atenta para estas contribuições. Uma nova escuta foi realizada no dia 9 de agosto, em São Paulo, entre o especialista e organizações, com participação da Plataforma Dhesca, Terra de Direitos, Ação Educativa, Instituto de Estudos Socioeconômicos, Fian Brasil e demais organizações.
A atividade tratou-se de um diálogo informal. Em março deste ano, o governo brasileiro suspendeu a visita oficial de Juan Pablo ao País para análise dos impactos da política econômica austera em áreas como saúde e educação, com o argumento de que a transição de cargo ocupado pela ministra de Direitos Humanos, Luislinda Valois, então demitida pelo presidente Michel Temer (MDB), demandava ajustes internos. “Lamento que minha visita ao Brasil tenha sido recentemente cancelada pelo governo”, declarou Juan Pablo naquele momento. Passados cinco meses da suspensão, o governo brasileiro ainda não ofereceu novas datas de visita para o Organismo internacional.
PT na Câmara com Dhesca Brasil