Comunidades tradicionais apontam omissão do governo e acusam Bolsonaro de mentir sobre fogo no Pantanal

Integrantes da comissão externa que acompanham os incêndios pelo Brasil ouviram, nesta quinta-feira (1º), relatos emocionados e indignados de representantes dos povos tradicionais e originários que vivem no Pantanal mato-grossense. Os debatedores apontaram a ausência de políticas públicas e planejamentos como fatores responsáveis pela tragédia que assola um dos biomas mais importantes do planeta.

Os representantes dos povos indígenas acusaram o governo Bolsonaro de mentir ao colocar a culpa pelo fogo no Pantanal nas costas dos índios que habitam a região. A reunião foi conduzida pela coordenadora da comissão, deputada Professora Rosa Neide (PT-MT).

Foto: Agência Câmara

Claudia Pinho, representante da Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneiras, relatou a situação dramática pelo qual passa aqueles que vivem e sobrevivem das atividades que exercem no Pantanal. Para ela, essas pessoas são invisibilizadas pelos “governos de plantão”.

“Elas (pessoas) estão nessa situação porque o governo brasileiro se omite em garantir seus direitos, assistência e seus territórios. Se omite em garantir vida humana nesse lugar chamado Pantanal”, lamentou.

Para Claudia, as políticas públicas precisam ser pensadas junto com as comunidades que ali vivem. “Estamos dizendo a todo momento que as políticas públicas ficaram no papel, e outras atenderam uma parte da sociedade na qual não nos enquadramos”, observou.

“O nosso Pantanal, do jeito que ele foi, nunca mais será o mesmo. É preciso que haja um olhar, um diálogo aberto, sincero e efetivo de políticas públicas que garantam a vida da comunidade tradicional pantaneira nesse território”, defendeu Claudia Pinho.

Requerimento

O deputado Nilto Tatto (PT-SP) sugeriu que a comissão faça um requerimento de informação aos órgãos competentes sobre o Cadastro Ambiental Rural (CAR). “Pensar em política permanente, provavelmente, a gente vai ter que dar uma olhada com carinho também na questão fundiária dentro do Pantanal. Então, a minha sugestão aqui é a gente já se antecipar e um requerimento, pedindo informações sobre o CAR no Pantanal”, propôs.

Eliane Xunakalo – Foto: Agência Câmara

A representante da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso, Eliane Xunakalo, destacou a ancestralidade de seu povo na região pantaneira e disse que seu povo sempre viveu em harmonia com o bioma. “É muito importante dizer que as terras indígenas tiveram mais de 80% dos seus territórios destruídos pelos incêndios. E dizer que não somos responsáveis por esses incêndios, como vem se dizendo”, criticou.

“Além de ter roças queimadas, de não ter água potável, de não ter visibilidade há muito tempo, bem antes incêndios, dizer que nós, que a nossa palavra continua sendo resistência”.

Na opinião de Valdevino Gonçalves Cardoso, da etnia Terena, a devastação ambiental é um “programa de governo, é um planejamento”. Ele lembrou-se das palavras do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sobre aproveitar a pandemia para “passar a boiada”.

“Não é a boiada que está passando. Está passando muito fogo e está destruindo várias espécies de vida”, denunciou.

Para ele, o discurso de Jair Bolsonaro na Organização das Nações Unidas (ONU) acusando os indígenas pelo fogo no Pantanal não passa de mentira arquitetada. “O presidente (Bolsonaro), equivocadamente, planejou essa mentira para jogar nos povos tradicionais”, acusou Terena.

Calúnia

O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) considerou “calúnia grave” atribuir a essas populações a responsabilidade sobre os incêndios. Para ele, o governo federal é omisso no combate aos incêndios e deveria mobilizar fortemente as Forças Armadas com esse fim.

O deputado Célio Moura (PT-TO) corroborou a afirmação do seu colega de bancada. “O Pantanal continua pegando fogo, e o governo federal [está] com braços cruzados”, criticou.

Plano arquitetado

Na avaliação de Valdevino Gonçalves, a fala do ministro do Meio Ambiente reforça a estratégia do governo em relação ao grave problema ambiental pelo qual passa o País. “A fala do ministro do Meio Ambiente é nítida. E só está acontecendo isso, arquitetado nos gabinetes daqueles que apoiam esse governo, inclusive no gabinete presidencial”, frisou.

Terena – Foto Agência Câmara

Segundo Terena, “as cinzas que estão aqui hoje, os animais mortos, as pessoas que perderam suas lavouras por conta do incêndio, tudo isso foi arquitetado no gabinete do presidente, no gabinete do ministro do Meio Ambiente”, reiterou.

Ele relatou ainda que o governo trata os indígenas como “empecilho” para o desenvolvimento. “Nós não somos contra o desenvolvimento. É possível produzir em harmonia com a natureza, sem matar um pássaro, uma onça ou derrubar uma árvore”, afirmou.

Invisibilidade

A maioria dos debatedores reclamou da invisibilidade dessa população que vive no Pantanal. Eliane Xunakalo, disse que os povos indígenas precisam ser ouvidos e que as políticas públicas cheguem de fato. “Precisamos ter acesso a isso, porque é incompreensível que em pleno século 21 – onde nós temos tecnologias a disposição -, asnossas comunidades, tem dificuldade em assistência médica, em deslocamento e até de comunicação”, criticou.

O deputado Nilto Tatto destacou que a audiência foi importante para o Parlamento ouvir seguimentos que “só aparecem na mídia quando são acusados injustamente, como fez o presidente Bolsonaro”.  Ele entende que é muito importante que esse Parlamento “dê voz para a grande maioria das pessoas que vive no Pantanal e que ajuda a cuidar do bioma”.

João Bispo – Foto: Agência Câmara

O representante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), João Moisés Bispo, também reclamou da ausência de diálogo entre os poderes constituídos e as comunidades. “Nós, pantaneiros e quilombolas, não somos ouvidos e queremos ter voz”, reclamou. Ele informou que existem 44 comunidades quilombolas que vivem na região. “O Pantanal queima porque nós não fomos ouvidos”, reafirmou.

João Bispo relatou que as comunidades estão perdendo as plantações, porque vários rios estão secos. Segundo ele, soma-se a isso a poluição gerada pelo uso excessivo de agrotóxicos pelo agronegócio e pelo garimpo.

O representante quilombola também questionou por que o governo do Mato Grosso não usa o dinheiro recebido de doações internacionais para apagar o fogo. “Se nada for feito, no ano que vem vai ter uma nova tragédia”, alertou.

Investimento

Eliane Xunakalo afirmou que a tragédia poderia ter sido evitada se houvesse investimentos públicos. Ela apontou a necessidade de brigadas nas áreas indígenas, de brigadas combatendo o fogo no bioma. “40 equipes que existem no Mato Grosso são insuficientes porque além do Pantanal, temos o cerrado e a Amazônia, infelizmente, todos estão em chamas”, disse.

Falta de água

Representante do Sindicato dos Servidores Públicos de Barão de Melgaço, Alex Catarino, também alertou para a falta de água que afeta o povo pantaneiro. Ele observou que, como as secas devem continuar afetando os povos no futuro, é preciso pensar soluções para o problema.

“Deveria ser aproveitado o momento para se fazer trabalho de engenharia, para aprofundar lagoas que secaram, para que, no período de chuva que vem pela frente pudessem armazenar mais água, para ser usada no futuro para combater os fogos de incêndio”, exemplificou.

Manejo do fogo

O professor Danilo Ribeiro, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, acrescentou que as políticas não devem focar no combate ao uso do fogo, mas no manejo do uso do fogo, utilizado tradicionalmente pelos povos indígenas para cozinha, caça e manejo das paisagens, por exemplo.

Segundo ele, o fogo bem usado é muito diferente dos incêndios que ocorrem agora. Ele sugeriu a expansão da atuação das brigadas para todo o ano e o aumento do financiamento para pesquisas sobre melhores estratégias de manejo do fogo.

Compromisso

A deputada Rosa Neide assumiu o compromisso de trabalhar e debruçar sobre as considerações levantadas pelos movimentos sociais presentes no debate. “Esta comissão vai cobrar de quem tem a resposta direta para que no próximo ano não tenhamos a tragédia que enfrentamos agora”, assegurou.

 

Benildes Rodrigues com informações da Agência Câmara

 

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