A deputada Margarida Salomão (PT-MG) anunciou em pronunciamento no plenário o lançamento nesta quarta-feira (6), em São Paulo, da Carta Aberta à Comunidade Acadêmica Internacional em defesa da democracia. A carta de professores universitários brasileiros recebeu adesão, em uma semana, de mais de quatro mil docentes e pesquisadores do ensino superior do país em amplo posicionamento na denúncia à tentativa de golpe no Brasil.
“Essas pessoas estão lançando este manifesto para defender a democracia. São pessoas conhecidas pelas suas posições, muitas vezes, críticas aos governos petistas, muitas vezes dirigindo críticas ácidas ao próprio Partido dos Trabalhadores, não obstante esta carta seja em defesa da democracia, no sentido de que um impeachment sem crime de responsabilidade é um golpe, caracteriza-se como um golpe. A comunidade acadêmica brasileira posiciona-se contra o golpe”, afirmou Margarida Salomão.
Ainda de acordo com a parlamentar petista, “é muito importante que a inteligência brasileira neste momento se manifeste publicamente e faça a sua defesa da democracia”. A Carta Aberta, acrescentou Margarida Salomão, é assinada pelos mais expressivos intelectuais e pesquisadores ligados à universidade.
Divulgada em português, inglês, espanhol, francês e italiano, a carta indica que o clamor contra a corrupção está sendo instrumentalizado “para desestabilização de um governo democraticamente eleito, de modo a aprofundar a grave crise econômica e política atravessada pelo país”, anfatizou.
Leia a íntegra do documento:
Carta Aberta à Comunidade Acadêmica Internacional
Nós, pesquisadores e professores universitários brasileiros, dirigimo-nos à comunidade acadêmica internacional para denunciar um grave processo de ruptura da legalidade atualmente em curso no Brasil.
Depois de um longo histórico de golpes e de uma violenta ditadura militar, o país tem vivido, atéhoje, seu mais longo período de estabilidade democrática – sob a égide da Constituição de 1988, que consagrou um extenso rol de direitos individuais e sociais.
Apesar de importantes avanços sociais nos últimos anos, o Brasil permanece um país profundamente desigual, com um sistema político marcado por um elevado nível de clientelismo e de corrupção. A influência de grandes empresas nas eleições, por meio do financiamento privado de campanhas, provocou sucessivos escândalos de corrupção que vêm atingindo toda a classe política.
O combate à corrupção tornou-se um clamor nacional. Órgãos de controle do Estado têm respondido a esta exigência e, nos últimos anos, as ações anticorrupção se intensificaram, atingindo a elite política e grandes empresas.
No entanto, há uma instrumentalização política desse discurso para desestabilização de um governo democraticamente eleito, de modo a aprofundar a grave crise econômica e política atravessada pelo país.
Um dos epicentros que instrumentaliza e desestabiliza o governo vem de setores de um poder que deveria zelar pela integridade política e legal do país.
A chamada Operação Lava Jato, dirigida pelo juiz de primeira instância Sérgio Moro, que há dois anos centraliza as principais investigações contra a corrupção, tem sido maculada pelo uso constante e injustificado de medidas que a legislação brasileira estabelece como excepcionais, tais como a prisão preventiva de acusados e a condução coercitiva de testemunhas. As prisões arbitrárias são abertamente justificadas como forma de pressionar os acusados e deles obter delações contra supostos cúmplices. Há um vazamento permanente e seletivo de informações dos processos para os meios de comunicação. Existem indícios de que operações policiais são combinadas com veículos de imprensa, a fim de ampliar a exposição de seus alvos. Até a Presidenta da República foi alvo de escuta telefônica ilegal. Trechos das escutas telefônicas, tanto legais quanto ilegais, foram apresentados à mídia para divulgação pública, ainda que tratassem apenas de assuntos pessoais sem qualquer relevância para a investigação, com o intuito exclusivo de constranger determinadas personalidades políticas.
As denúncias que emergem contra líderes dos partidos de oposição têm sido em grande medida desprezadas nas investigações e silenciadas nos veículos hegemônicos de mídia. Por outro lado, embora não pese qualquer denúncia contra a Presidenta Dilma Rousseff, a Operação Lava Jatotem sido usada para respaldar a tentativa de impeachment em curso na Câmara dos Deputados – que é conduzida pelo deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados e oposicionista, acusado de corrupção e investigado pelo Conselho de Ética dessa mesma casa legislativa.
Quando a forma de proceder das autoridades públicas esbarra nos direitos fundamentais dos cidadãos, atropelando regras liberais básicas de presunção de inocência, isonomia jurídica, devido processo legal, direito ao contraditório e à ampla defesa, é preciso ter cautela. A tentação de fins nobres éforte o suficiente para justificar atropelos procedimentais e aí é que reside um enorme perigo.
O juiz Sérgio Moro já não possui a isenção e a imparcialidade necessárias para continuar responsável pelas investigações em curso. O combate à corrupção precisa ser feito dentro dos estritos limites da legalidade, com respeito aos direitos fundamentais dos acusados.
O risco da ruptura da legalidade, por uma associação entre setores do Poder Judiciário e de meios de comunicação historicamente alinhados com a oligarquia política brasileira, em particular a Rede Globo de Televisão – apoiadora e principal veículo de sustentação da ditadura militar (1964-1985) -, pode comprometer a democracia brasileira, levando a uma situação de polarização e de embates sem precedentes.
Por isso gostaríamos de pedir a solidariedade e o apoio da comunidade acadêmica internacional, em defesa da legalidade e das instituições democráticas no Brasil.
Open Letter to International Academic Community
We, professors and researchers from Brazilian universities, address to the International Academic Community to report a serious breaches of law that is taking place in Brazil right now.
After a long history of coups and after a violent military dictatorship, our country has been living, until today, its longest period of democratic stability – under the aegis of 1988s Constitution, which highlighted a number of individual and civil rights.
Despite all the social changes we experienced in the past years, Brazil remains a deeply unequal country, with its politics marked by a sustained level of patronage and corruption. The influence major companies had in elections, using private campaign funding, led to consecutive corruption scandals that have been hitting all politicians.
The fight against corruption became a national outcry. State agencies of control have answered to this demand and, in the last few years, many anti-corruption measures have been intensified, hitting the major companies and the political elite.
However, there is an exploitation of this agenda in order to destabilize a democratically elected government, in such a way that there is a deepening of the current economic and political crisis in our country.
One of the epicentres that exploits and destabilize the government comes from segments of a power that should watch for political and legal integrity of our country.
The so called Operação Lava Jato, driven by a judge from the first instance, Sérgio Moro, that for the past two years centralizes the leading investigation against corruption, have been tarnished by the unjustified and constant use of measures that the Brazilian legislation establish as exceptional, such as pre-trial detention and coercive condutionof witnesses. The arbitrary detentions are openly justified as a form of constraint against accused and obtain plea bargain against allegedly accomplices. There is a permanent and selected leaking of cases to the media. There is evidence that police operation are arranged with main press, in order to amplify the reaction against its targets. Even the President was targeted by illegal wiretap. Excerpts of wiretaps, legal and illegal, have been presented to the press for public disclosure, even though they treated only personal matter with no relevance whatsoever for the investigation, with the exclusive intention of embarrassing specific politicians.
Complaints against leaders of political parties against the government have been disregarded and silenced by the main press. On the other hand, although there is no complaint against President Dilma Roussef, the Operação Lava Jatohave been used to support the underway impeachment at the House of Representatives –which is led by congressman Eduardo Cunha, Speaker of House of Representative and opposition to the government, accused of corruption and being investigated by Ethics Comitee of the same House.
When procedures of public authorities bump into fundamental rights, running into basic liberal rules like presumption of innocence, equality, legal proceeding, adversarial proceedings and full defense, caution must be exercised. The temptation of noble ends is strong enough to justifyprocedural breaches and there lies an enormous danger.
Sérgio Moro does not have the necessary exemption and impartiality to continue as responsible for current investigations. The fight against corruption needs to be led inside strict legal boundaries with respect to fundamental rights of defendants.
The risk of breaking legality by a relationship between segments of Judiciary Power and media and press, historically aligned with Brazilian political oligarchy, in particular Rede Globo de Televisão – supporter and main vehicle of Brazilian military dictatorship (1964-1985) – might compromise Brazilian democracy, leading to a polarized situation and unprecedented clashes.
For the reasons stated above we would like to ask for solidarity and support from international academic community in defense of legality and in defense of democratic institutions in Brazil.
Gizele Benitz
Foto: Gustavo Bezerra
Mais fotos: www.flickr.com/photos/ptnacamara