A Comissão Parlamentar de Memória, Justiça e Verdade, vinculada à Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Câmara, vai sugerir ao governo federal que solicite formalmente aos Estados Unidos a cessão de documentos dos seus órgãos de inteligência a respeito da ditadura que vigorou aqui entre 1964 e 1985.
A proposta surgiu durante a audiência pública, realizada nesta terça-feira (10), para ouvir entidades da sociedade civil e entes do poder publico sobre as expectativas quanto ao trabalho da Comissão Nacional da Verdade, que aguarda a nomeação dos seus integrantes por parte do governo.
O autor da sugestão, Jair Krischke, presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos de Porto Alegre (RS), lembrou que a Argentina pediu ao governo dos EUA os documentos sobre o seu regime de exceção e recebeu 74 mil documentos que não eram mais classificados como confidenciais.
O deputado Domingos Dutra (PT-MA), que é o presidente da CDH, acredita que os documentos podem ajudar a sociedade brasileira a conhecer melhor o que ocorreu nos porões da ditadura. “Vamos sugerir isso ao governo brasileiro e será importante recebermos dos Estados Unidos esses documentos, inclusive para recuperarmos algumas informações que possam ter sido destruídas criminosamente nos nossos quarteis nos últimos anos”, declarou Dutra.
A sugestão será encaminhada pela Comissão de Direitos Humanos ainda esta semana.
Um dos expositores da audiência, o advogado Cezar Britto, representando a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), afirmou a distinção entre anistia e esquecimento. “Não estamos falando apenas de passado. É preciso que os torturadores e ditadores de todo o mundo saibam que os seus crimes não ficarão impunes. Como disse um filósofo alemão, o futuro da tortura tem relação direta com o futuro do torturador. Anistia não é amnésia. Nós temos o direito de saber [a verdade]”, declarou Britto.
Expedito Solaney, diretor da Central Única dos Trabalhadores (CUT), lembrou que a espera pela verdade sobre os Anos de Chumbo vem desde de 1985. “Essa espera já dura 27 anos, tempo maior do que a própria ditadura, que durou 21 anos”, disse Solaney. O sindicalista também recordou os presentes que a Lei da Anistia votada pelo Congresso Nacional em 1979 foi aprovada numa disputa apertada e que não houve o consenso alardeado pelos defensores da ditadura. “Foram 206 votos a favor da [lei da] Anistia, que eram os votos da Arena, contra 201 votos contrários, que eram os votos do MDB”, citou Solaney.
Comissão da Verdade – Durante a audiência, Domingos Dutra informou que enviou ofício à presidenta Dilma Rousseff solicitando a nomeação dos integrantes da Comissão Nacional da Verdade. “Já se passou tempo suficiente desde a sanção da lei que cria a Comissão da Verdade e esperamos que os seus membros possam ser nomeados rapidamente e as suas investigações tenham início”, disse Dutra.
A deputada Erika Kokay (PT-DF) lembrou que já decorreram cinco meses desde que a lei que cria a Comissão da Verdade foi aprovada pelo Congresso Nacional, com sérias limitações, mas ainda não começou a funcionar. “Sabemos que a Comissão da Verdade tem inúmeras limitações no seu formato, mas acreditamos que estas limitações podem ser superadas com o decorrer do seu trabalho, que precisa ser iniciado logo, para que possamos analisar um dos mais profundos traumas da história brasileira”, declarou a parlamentar.
A audiência pública foi coordenada pela deputada Luiza Erundina (PSB-SP), que é a presidenta da Comissão Parlamentar de Memória, Verdade e Justiça. O deputado Luiz Couto (PT-PB) também participou da audiência.
Na próxima semana, a comissão irá promover a exibição, seguida de debate, do documentário “Perdão Mister Fiel – O Operario que Derrubou a Ditadura no Brasil”. O filme, dirigido por Jorge Oliveira, conta a história de Manoel Fiel Filho, que foi morto pela ditadura em 1976, durante sessões de tortura, fato que gerou grande repercussão internacional negativa para o regime.
Rogério Tomaz Jr.
