A Comissão Externa da Câmara aprovou nesta quinta-feira (12), o relatório final do coordenador do colegiado, deputado Rogério Correia (PT-MG) que fiscaliza as negociações do acordo entre a Vale e o Governo de Minas Gerais sobre a tragédia na barragem B1 da empresa na Mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho.
O documento robusto apresentado, reflete e contempla os anseios, as preocupações dos atingidos, das entidades que os representam e setores do Ministério Público, da Defensoria Pública que acompanham o caso.
“Foi um avanço e nós contribuímos com isso com este relatório. Ele será enviado para a Assembleia Legislativa, para o presidente da Câmara, ao Ministério Público Federal, ao Ministério Público Estadual. Nós recomendamos também um comitê gestor do acompanhamento agora do cumprimento do acordo para que as coisas de fato venham acontecer”, comemorou Rogério Correia.
O deputado disse que a comissão começou a funcionar quando foram observados uma primeira constatação de que o acordo a ser feito com a Vale seria em torno de R$ 16 bilhões para tentar ressarcir todo o prejuízo dado pela tragédia criminosa da empresa.
“Mesmo tendo o valor final do Acordo ficado aquém – de R$ 54 bilhões para R$ 37,7 bilhões – do inicialmente pedido com lastro nos estudos efetuados pela FJP e pelo MPE/MG, não resta dúvida que a firme atuação reivindicatória dos atingidos e atingidas, das Instituições de Justiça e de outros fóruns envolvidos no processo, incluindo esta Comissão Externa, foi determinante para que tal valor superasse bastante o inicialmente proposto pela empresa, em torno de R$ 16 bilhões”, diz o relatório.
Críticas
Correia reconhece que algumas críticas precisam ser feitas no desencadeamento do acordo. Segundo ele, o acompanhamento dos atingidos foi muito pequeno ou quase nenhum. Ele ainda destacou que se não fosse o papel desempenhado pela Comissão Externa, “tinha-se fechado um valor muito pequeno, bem distante dos R$ 54 bi que, no decorrer das negociações, acabou se fechando em R$ 37 bilhões, e sem a participação dos atingidos”.
“Não teríamos, portanto, auxílio emergencial que foi colocado, obras que precisam ser definidas nos locais, recurso para o conjunto dos municípios, muita coisa nós conseguimos recolocar em debate e fazer ser aprovado”, reconheceu.
“Rodominério”
Uma das preocupações levantadas pelo coordenador da Comissão Especial se atém à construção do rodoanel, também conhecido como “rodominério”. “Como se pode fazer aí em torno de Belo Horizonte algo a toque de caixa que interessa às empresas porque elas têm também o interesse em evacuar o minério de maneira mais rápida para aumentar o seu lucro”, criticou.
Sobre a questão do rodoanel, o deputado Padre João (PT-MG), classificou de “muito grave” a utilização de recursos do acordo para beneficiar empresas mineradoras da região.
“Esse recurso, ou parte desse recurso, fruto do crime da Vale não pode ser usado para financiar novos crimes da Vale, e me refiro ao rodominério”.
Lucro da Vale
Ainda dentro do viés do lucro, Correia ressaltou que a Vale anunciou ao mercado um lucro recorde de mais de R$ 30 bilhões no 1º trimestre de 2021, sendo que tal valor não havia sido alcançado em todo o ano de 2020 e, no mesmo trimestre do ano anterior, não chegara a R$ 1 bilhão.
“Noutras palavras, enquanto a empresa segue a vida aumentando sua produção de minério de ferro, surfando na alta dos preços das commodities no mercado internacional e dando dividendos cada vez mais vultosos para seus acionistas, os atingidos pelo crime por ela causado em Brumadinho têm de continuar sua peregrinação para dela conseguir recursos que ao menos aliviem suas perdas e sua dor”, diz o texto apresentado por Rogério Correia.
O deputado Padre João, que presidiu a sessão de aprovação do relatório, sugeriu ao relator, que fosse destinado parte dos recursos para investimentos na Bacia de Paraopeba.
“Acho que é muito importante deixar isso aqui ressalvado e também assim o meu parecer em relação à destinação do recurso”, defendeu o petista ao se referir ao Rio Paraopeba que foi, praticamente, soterrado pela lama que vazou da barragem 1.
Padre João espera também, que os prefeitos de todos os municípios contemplados no acordo, ouçam os mais pobres, “possam fazer um bom proveito, sobretudo numa perspectiva de geração de emprego e renda para o nosso povo, uma vez que está abandonado pelos governos e o desemprego e a fome, a miséria castiga muito de fato o nosso povo”.
Deputado Padre João. Foto: Najara Araújo/Câmara dos Deputados
Considerações
O relatório afirma que o objeto do acordo “é a definição das obrigações de fazer e de pagar da empresa, visando a reparação integral dos danos, impactos negativos e prejuízos socioambientais e socioeconômicos causados em decorrência do rompimento, e seus desdobramentos, conforme solução e adequação técnicas definidas para cada situação, nos moldes estabelecidos nos 13 capítulos e 11 Anexos do Instrumento”.
O texto esclarece que o valor econômico do acordo, estimado em cerca de R$ 37,7 bilhões, corresponde à somatória das obrigações definidas no Termo e os valores indicados pela Vale (R$ 6,3 bilhões) como despesas já realizadas nas ações de reparação socioambiental e socioeconômica e a título de antecipação da indenização dos danos coletivos e difusos, conforme especificação do Anexo VIII, do relatório.
Em relação ao valor de cerca de R$ 26,4 bilhões o texto diz que esse montante corresponde ao Teto do Acordo e representa o limite máximo a ser investido, custeado ou despendido pela Vale no cumprimento das obrigações de reparação e compensação socioeconômica e compensação dos danos socioambientais já conhecidos, conforme os Anexos I.1, I.2, I.3 e I.4, II.2, II.3, III e IV do Acordo e demais despesas especificadas, mas não abrangendo aquelas destinadas à restauração e recuperação socioambiental integral, que inclui os danos desconhecidos, futuros ou supervenientes, e às indenizações referentes aos direitos individuais, entre outras.
O relatório aponta também a existência de inúmeras e graves falhas na condução do acordo entre Vale e Governo de Minas Gerais. Entre elas, o relator destaca as Ilegalidades formais: respeito ao princípio do juiz natural; violação ao direito de consulta prévia, livre e informada dos povos e comunidades tradicionais; decretação de sigilo e, depois, de confidencialidade de um processo de mediação envolvendo direitos coletivos, mas sem a participação dos atingidos; violação à publicidade e à transparência, bem como à duração razoável do processo, com a homologação do Acordo ocorrendo no mesmo dia de sua publicização; destinação ao Estado de Minas Gerais de valor superior ao autorizado por sua Constituição para a realização de acordo sem participação da ALMG.
Já nas ilegalidades materiais o relatório demonstra que houve: desvio de finalidade do Acordo, com destinação da maior parte dos recursos para projetos desconectados da reparação e da compensação dos danos provocados pelo rompimento da barragem; priorização de interesses político-eleitorais em detrimento dos direitos dos atingidos; definição de projetos para a população atingida sem saber se eles atenderiam às suas reivindicações, por falta de consulta prévia; acerto de valores finais no Acordo em montantes inferiores aos que haviam sido calculados em estudos da FJP e do MPE/MG.
Benildes Rodrigues