Empobrecidas pela degradação do mercado de trabalho nos últimos seis anos, com a desregulação e o desemprego gerando perda de renda e de poder de compra diante da inflação crescente, as famílias de classe média esgotam a capacidade de endividamento e agora partem para o último estágio da luta para manter o padrão de vida: a dilapidação da poupança. O processo, que vem se repetindo a cada mês desde janeiro, chegou em março à situação mais aguda em 27 anos.
O Banco Central (BC), que retomou a divulgação dos índices após um mês de greve dos servidores, anunciou nesta segunda-feira (25) que, em março, a caderneta de poupança registrou saída líquida de R$ 15,356 bilhões, a maior retirada para o mês da série histórica, iniciada em 1995. Enquanto os depósitos no Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) chegaram a R$ 311,7 bilhões, os saques somaram R$ 327,1 bilhões, ou R$ 12,597 bilhões a mais. Da poupança rural saíram outros R$ 2,759 bilhões.
Em fevereiro, já havia sido registrada uma retirada líquida de R$ 5,35 bilhões, após a marca batida em janeiro, quando o saque líquido alcançou R$ 19,7 bilhões, o maior resgate de toda a série histórica. Como resultado, o resultado da poupança no primeiro trimestre deste ano foi de uma saída líquida de R$ 40,4 bilhões. É o novo recorde histórico para o período, batendo os R$ 27,5 bilhões do ano passado.
A poupança já havia registrado retirada líquida de R$ 35,5 bilhões em 2021, invertendo o fluxo de 2020, quando foi registrada captação recorde de mais de R$ 166 bilhões. O auxílio emergencial de R$ 600 – que Jair Bolsonaro e seu ministro-banqueiro Paulo Guedes lutaram para que fosse de R$ 200 – e o baixo nível da taxa básica de juros (Selic), como defesa econômica contra a crise sanitária, originaram esse resultado.
No entanto, a retirada do auxílio emergencial e o agressivo arrocho monetário implementado pelo Banco Central, com juros acima de 8,5% ao ano reduzindo a rentabilidade da poupança, determinaram a fuga dos depósitos em 2021. Nos 12 meses terminados em março, a poupança rendeu 4,34%, enquanto o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA), que mede a inflação oficial, atingiu 11,3%.
Se a retirada de recursos da poupança de janeiro a março coincide com os tradicionais gastos de início de ano, como tributos, compras parceladas de fim de ano, gastos com férias e matrícula e material escolar, a sangria continua em abril: até o dia 14, os saques já superam os depósitos em R$ 5,918 bilhões.
Entre 1º de janeiro e 14 de abril, os brasileiros sacaram R$ 46,29 bilhões a mais do que depositaram na caderneta de poupança. O resultado no período aproxima-se da retirada líquida do patamar registrado em 2015 (R$ 53,57 bilhões) e supera o de 2016 (R$ 40,7 bilhões) – os anos do golpe.
Inadimplência em nível recorde reduz demanda por crédito
Os saques na caderneta de poupança são induzidos pelo endividamento progressivo. Levantamento divulgado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) em março revelou que 77,5% das famílias estão endividadas — o maior índice dos últimos 12 anos.
O cartão de crédito puxou o processo. A procura pelo rotativo em 2021 foi a maior em dez anos, somando R$ 224,7 bilhões. O crescimento coincidiu com a alta da inflação, dos juros e do endividamento das famílias, cada vez mais no vermelho.
“Quando a economia vai bem, as pessoas tomam crédito para comprar imóvel e carro. Hoje, as pessoas usam cheque especial e cartão de crédito para que o salário chegue ao final do mês”, comentou o economista sênior da Serasa Experian Luiz Rabi no G1. Esse limite, no entanto, foi “estourado”, e a tomada de crédito deixou de ser uma opção.
A concessão de crédito com recursos livres para pessoas físicas registrou queda de 17,5% de dezembro de 2021 a janeiro de 2022 (de R$ 445 milhões para R$ 367 milhões), enquanto a taxa de inadimplência média registrada pelos bancos nas operações de crédito avançou de 2,3% em dezembro do ano passado para 2,5% em janeiro. Conforme dados do BC, é o maior patamar desde agosto de 2020 (2,7%).
Classe social mais dependente dos rendimentos provenientes do trabalho – 90,8% de seus recursos vêm do salário, conforme dados da consultoria Tendências – a classe média se vê desprovida tanto da proteção das políticas públicas destinadas às classes D e E quanto dos ganhos de capital com juros e dividendos que originam 74,8% da renda de pessoas da classe A.
Ao mesmo tempo, em um quadro de deterioração do mercado de trabalho, as negociações salariais não tem garantido sequer a reposição inflacionária. O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) vem registrando a piora dos últimos três anos. Se, em 2018, 9% das categorias negociaram salários abaixo da inflação, em 2021 o índice chegou a 47%. Até fevereiro deste ano, apenas 24% das categorias conseguiram ganhos reais.
Na data-base de fevereiro, 60,5% dos 119 reajustes analisados pelo Dieese até 9 de março ficaram abaixo da variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o parâmetro adotado para reajustes salariais.
“A gente vê os indicadores da economia, que ainda estão patinando. Esse é um contexto que joga contra as negociações coletivas. O que a gente tem observado é que as categorias mais sindicalizadas estão conseguindo repor pelo menos o INPC. É um cenário de muita instabilidade e vai requerer muita atenção dos trabalhadores, que têm de focar no poder de compra”, explica o sociólogo Luís Ribeiro, técnico responsável do Dieese.
O empobrecimento e o consequente encolhimento da classe média são mensuráveis. Pesquisa do Instituto Locomotiva mostra que o percentual da população brasileira pertencente à classe média tradicional caiu de 51% em 2020 para 47% em 2021 – menor patamar em dez anos. A maior marca, segundo o Locomotiva, foi registrada em 2011, quando a classe média formava 54% da população brasileira. Bons tempos. Tempos de PT no governo.
PTNacional, com agências