IPCA-15 do IBGE acumula alta de 10,20% em 12 meses, puxado por vestuário e alimentação. Trabalhadores completaram três anos sem ganho real de salário em 2021
Saem combustíveis e entram roupas e comes e bebes, mas a inflação continua em dois dígitos. Anunciado nesta quarta-feira (26) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) variou 0,58% em janeiro de 2022, contra 0,78% tanto de dezembro quanto de janeiro de 2021. Considerado a “prévia da inflação”, o indicador acumula alta de 10,20% em 12 meses.
A variação de janeiro ficou acima das expectativas do mercado financeiro. Analistas consultados pela agência Bloomberg esperavam avanço de 0,44%. Eles também projetavam variação menor no acumulado em 12 meses: 10,05%. Até dezembro, o acumulado era de 10,42%.
Em 12 meses, o IPCA-15 está bem acima da meta de inflação perseguida pelo Banco Central (BC) “independente”. O centro da meta é de 3,50% em 2022, e o teto foi definido em 5%. Os analistas já projetam novo estouro da meta, o segundo consecutivo.
A maior alta entre os grupos foi de Vestuário, com 1,48%. No grupo Alimentação e Bebidas, que subiu 0,97%, o item alimentação no domicílio passou de 0,46%, em dezembro, para 1,03%. Já em Saúde e Cuidados Pessoais (0,93%), destaque para itens de higiene pessoal, com alta de 3,79%. Em Habitação (alta de 0,62%), o aluguel residencial subiu 1,55% e representou impacto de 0,06 ponto no índice de janeiro.
O IPCA-15 subiu em todas as áreas pesquisadas. Oito dos nove grupos que compõem o indicador apresentaram alta em janeiro. Vilão dos últimos meses, Transportes foi a exceção, com -0,41%, após quedas do preço da gasolina (-1,78%) e do etanol (-3,89%). O preço médio das passagens aéreas também recuou (18,21%).
A coleta de dados do IBGE, no entanto, não considerou o aumento da gasolina e do diesel nas distribuidoras, que passou a valer no último dia 12. A inflação “cheia” do mês já deverá sofrer o impacto desse reajuste. O que levou a presidenta nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), a se manifestar em seu perfil no Twitter.
“Já virou moda no Brasil ter reajuste no preço dos combustíveis a cada 7 ou 15 dias. Gasolina acaba de subir mais 0,8% nos postos e o diesel, 2,9%. Analistas estimam que o litro da gasolina passe dos 8 reais em breve devido à tendência de alta do barril lá fora. Quem aguenta isso?”, questionou Gleisi. Nesta quarta, o preço do barril do tipo Brent alcançou a casa dos US$ 90 pela primeira vez desde 2014.
Já virou moda no Brasil ter reajuste no preço dos combustíveis a cada 7 ou 15 dias. Gasolina acaba de subir mais 0,8% nos postos e o diesel, 2,9%. Analistas estimam que o litro da gasolina passe dos 8 reais em breve devido à tendência de alta do barril lá fora. Quem aguenta isso?
— Gleisi Hoffmann (@gleisi) January 25, 2022
Inflação no Brasil é diferente, e pior, que no resto do mundo
Embora Jair Bolsonaro e seu ministro-banqueiro Paulo Guedes venham alegando que a inflação neste período de pandemia é um fenômeno global – e de fato é – no Brasil ela se deve muito mais à alta dos preços dos produtos, pressionados pela cotação do dólar, do que à alta do consumo. É uma “inflação de oferta”, e não “de demanda”, influenciada pela depreciação do real acima da média das moedas de outras economias emergentes.
O câmbio elevado também encareceu os combustíveis, graças à política de dolarização dos preços da Petrobras adotada sob Michel Temer e mantida por Bolsonaro. Além do mais, os estímulos monetários oferecidos nos Estados Unidos e na Europa para impulsionar o consumo foram muito superiores ao auxílio emergencial no Brasil, sabotado por Bolsonaro e Guedes. Completa o quadro o fracasso no auxílio aos pequenos negócios, os maiores empregadores do país.
“O Pronampe foi um fracasso, principalmente por conta dos bancos que não quiseram emprestar para as empresas brasileiras e correr riscos. Nós tínhamos 8 milhão de empresas pequenas e mais de 10% delas quebrou por falta de crédito”, criticou o professor de Economia da USP Paulo Roberto Feldmann, em entrevista à revista Veja.
“Na minha opinião houve um erro de diagnóstico enorme por parte do Banco Central. Aumentar os juros piora a situação do Brasil porque diminui o consumo, que já está baixo”, prossegue o professor, chamando a atenção para o alto nível de desemprego e de informalização do trabalho no país. “A situação do Brasil é completamente diferente do mundo e erramos no uso da ferramenta. Esse ano a nossa recessão vai ser brutal, porque o consumo vai diminuir”, finalizou Feldmann.
Em seu perfil oficial no Twitter, Luiz Inácio Lula da Silva chamou a atenção para o encolhimento da renda dos trabalhadores sob Bolsonaro e Guedes. “Durante o Governo do PT, 82,9% dos acordos dos trabalhadores eram de aumento real de salário, acima da inflação. A vida era melhor e o povo consumia mais”, lembrou – coberto de razão.
Durante o Governo do PT, 82,9% dos acordos dos trabalhadores eram de aumento real de salário, acima da inflação. A vida era melhor e o povo consumia mais. Veja no link: https://t.co/Dou2J5PJfL #equipeLula pic.twitter.com/gXL8AXMGXE
— Lula (@LulaOficial) January 20, 2022
Trabalhadores perdem renda para a carestia
Nesta quarta, o boletim Salariômetro divulgado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) revelou que os trabalhadores formais completaram, em 2021, um período de três anos consecutivos sem ganho real de salário, quando o aumento supera a inflação do período anterior. Conforme o documento, a variação mediana em 2021 ficou negativa em 0,1% e chegou a zero nos dois exercícios anteriores. O piso dos salários encolheu 4,5% em 2021 em comparação com o ano anterior, ficando em R$ 1.332.
O desempenho é resultado da combinação de desemprego elevado, atividade econômica travada e disparada da inflação, apontam os pesquisadores. Coordenador do Salariômetro, o professor Hélio Zylberstajn, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, disse à Folha de São Paulo que o resultado de 2021 poderia ter sido ainda pior diante das condições da economia e do mercado de trabalho.
“Nos outros anos, a inflação era mais baixa, mas em 2021 foi brutal. Levando isso em conta, não foi tão ruim quanto poderia ter sido”, pondera. Além dos reajustes baixos, o Salariômetro também registrou aumento de acordos e convenções que previram o pagamento escalonado dos índices de reajuste. “Isso quase não aparecia antes da pandemia e salta em alguns momentos, dependendo do número de categoriais que fecharam negociação. O reajuste vem pequeno e ainda é pago parcelado.”
Segundo o economista, as empresas não conseguem repassar toda a inflação aos produtos e serviços, e o alto desemprego reduz o poder de barganha dos sindicatos. “Com o INPC acumulado em dois dígitos, não há espaço para ganho real. Mesmo assim, esse será mais um ano complicado, de eleições e juros em elevação. A situação não é boa para os trabalhadores”, concluiu Zylberstajn.
Há dez dias, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) também alertou para a degradação da renda dos trabalhadores. Segundo a entidade, em 2021, apenas 15,8% dos reajustes negociados no Brasil resultaram em ganhos reais aos salários, quando comparados com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do IBGE. O percentual de resultados iguais ao índice foi de 36,6%; e abaixo dele, de 47,7%. A variação real média em 2021 ficou abaixo da inflação: -0,86%.
Redação da Agência PT