A dona de casa Marinélia Lopes dos Santos, de 47 anos, mora na Ceilândia (DF), a cerca de 30 km de Brasília (DF), e vende diariamente cerca de 30 salgados por dia.
Desempregada desde setembro, após ser demitida da lanchonete onde trabalhava, ela decidiu se concentrar na venda de quitutes por conta própria para tentar extrair uma renda familiar que garantisse o sustento da casa, onde vive com cinco dos seis filhos. O preço do gás de cozinha, no entanto, tem assustado a trabalhadora.
Ao longo do ano de 2020, o Distrito Federal teve pelo menos dez reajustes no valor do produto. “Em outubro, um botijão que eu comprei custou R$ 75, aí agora, este mês, já comprei por R$ 85, e foi esse preço só porque eu fui pegar direto no depósito, senão eles disseram que seria mais caro, R$ 100”, relata a vendedora de salgados.
Por conta da produção diária das iguarias, Marinélia conta que consome um botijão em menos de 20 dias, o que faz com que o preço do gás pese bastante no orçamento mensal.
“Nunca na vida paguei gás como estou pagando hoje. Antigamente, a gente comprava por R$ 50, R$ 40, e hoje só Deus sabe o que vai ser da gente daqui pra frente porque a gente trabalha, trabalha só pra pagar conta”, diz, ao se queixar do aumento geral no custo de vida no país.
O preço do produto subiu novamente na última quinta-feira (7), desta vez com um reajuste de 6%, segundo anúncio anterior feito pela Petrobras. A novidade veio após um aumento de 5% registrado no início de dezembro.
O valor praticado pela companhia agora é de R$ 35,98 para 13 kg nas refinarias da estatal. Como a composição do preço que chega ao consumidor depende também dos valores aplicados pelos outros agentes que estão na cadeia comercial do produto, a mudança de preço tem efeitos multilaterais.
No caso do gás que chega aos usuários domésticos, o produto sai da Petrobras, segue para as distribuidoras e, depois, para as revendas. Esses dois últimos agentes respondem por 37% do preço final do GLP, mas o percurso de composição dos valores sofre ainda outros acréscimos, por conta dos impostos. ICMS, PIS/Pasep e Cofins são as alíquotas cobradas. Juntas, elas abocanham 18% do preço final aplicado ao consumidor. O restante diz respeito à Petrobras.
O presidente da Associação Brasileira dos Revendedores de GLP (Asmirg-BR), Alexandre Borjaili, afirma que a atual política de preços da estatal, regida pelo governo Bolsonaro, tem penalizado a cadeia de revenda do produto.
“Se o revendedor não consegue repassar o preço com o aumento, acaba comprometendo a parte financeira da empresa, que acaba fechando. Se ele repassa o aumento, o consumidor não tem poder de compra pra adquirir, então, ele acaba também não vendendo e, com isso, comprometendo sua estrutura financeira, que fecha”, explana o dirigente, destacando que as cerca de 60 mil revendedoras existentes no país estariam “comprometidas”.
“Já estamos buscando, inclusive, outra forma de energia pra poder concorrer com o GLP, que não está mais acessível à população que mais precisa. Hoje o gás é quase artigo de luxo dentro de uma casa”, salienta Borjaili, para quem a rota do governo estaria prejudicando a cadeia do gás.
Histórico
Ao longo de 2020, o preço do gás de cozinha subiu 8,3%, segundo o Índice Geral de Preços ao Consumidor (IPCA-15). O salto foi duas vezes maior que a inflação projetada para o ano, de 4,23%, e se diferencia do movimento registrado nos valores de outros produtos. O gás encanado, por exemplo, caiu 1,09% no período, enquanto o gás veicular teve queda de 1,29%.
Mas o preço do GLP nem sempre esteve nesse patamar. Entre 2007 e 2014, durante os governos do PT, os valores se estabilizaram, voltando a sofrer acréscimos mensais em 2017, na gestão de Michel Temer (MDB). Já em 2019, durante o governo Bolsonaro, as alterações passaram a seguir o fluxo do mercado internacional do petróleo. Com isso, o preço do gás de cozinha passou a ser dolarizado.
“Nós entendemos até que é uma forma ilegal de atuar, uma vez que é um produto produzido e comercializado no Brasil. A Petrobras, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, não poderia praticar preços internacionais”, reclama Borjaili.
O doutor em economista Paulo Kliass, membro da carreira de especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal, explica que as constantes altas registradas no país são um reflexo da vinculação do preço do gás à conjuntura global.
“Tem a especulação do mercado futuro, com a Opep [Organização dos Países Exportadores de Petróleo], tem mudanças derivadas das pressões das grandes multinacionais que operam no mundo todo extraindo e vendendo petróleo, e o Brasil fica sujeito a isso. Se houvesse vontade política de romper com isso, a gente não teria essa alta tão expressiva”.
Críticas ao aumento do preço
Os deputados federais petistas Rubens Otoni (GO), Rogério Correia (MG) e Bohn Gass (RS) criticaram, em suas redes sociais, o aumento do preço do gás de cozinha que atinge principalmente os mais pobres.
“Entre 2007 e 2014 não houve nenhum aumento no preço do gás de cozinha. Hoje o preço do botijão de gás segue as oscilações do mercado internacional de petróleo e o resultado aí está: preço nas alturas. Quem está mesmo prejudicando o povo brasileiro?”, questionou o deputado Rubens Otoni.
Para o deputado Rogério Correia “tá difícil de aguentar”. “Gás ficou praticamente congelado entre 2007 e 2014 (Lula e Dilma). Passou a ter reajustes mensais em 2017, a partir de Temer. E ganhou mais intensidade de alta com dupla de incompetentes Jair/Guedes. Tá difícil aguentar, 2021 é o ano do impeachment”.
“Um governo que te faz escolher entre comprar gás para cozinhar ou ter o que cozinhar no gás, não é um governo, mas um aparelho de tortura”, afirmou o deputado Bohn Gass.
PT na Câmara com Brasil de Fato