Em artigo, o deputado Chico D’Angelo (PT-RJ), presidente da Comissão de Cultura da Câmara, analisa os efeitos nefastos da PEC 241. Ele cita a previsão já largamente anunciada de cortes na saúde e educação. No entanto, alerta, não se deve esquecer que os estragos da PEC 241 atingirão brutalmente setores do meio ambiente, ciência e tecnologia e cultura. “As despesas com saúde e educação são obrigatórias. Com a cultura, são discricionárias, não obrigatórias. Nisso reside um problema da maior gravidade”. Leia a íntegra:
A PEC 241 e o fim do projeto de nação culturalmente potente
Chico D’Angelo (*)
O governo Michel Temer tenta justificar a PEC 241 a partir do argumento de que o equilíbrio das contas públicas exige a contenção dos gastos públicos por um prazo de até 20 anos. O limite para as despesas será o gasto do ano anterior corrigido pela inflação. Sendo mais direto, a PEC congela os gastos públicos em nome do equilíbrio das contas. Economistas de respeito, como a professora Laura Carvalho, da USP, já desmontaram a farsa deste argumento em audiência pública. Vamos nos ater, portanto, a outros aspectos da medida.
Os efeitos deletérios da PEC serão sentidos, evidentemente, nas áreas da saúde e da educação de uma maneira dramática. Os gastos congelados representam, a rigor, uma queda brutal dos investimentos federais nas duas áreas, já que a população brasileira cresce e envelhece. O gasto da educação por aluno e da saúde por idoso tende, portanto, a diminuir bastante.
Fala-se muito no efeito da PEC nestes setores da saúde e educação, e é justo que isso ocorra. Um estado que não quer perceber que o dinheiro aplicado nestes campos é investimento e não gasto público pretende desmontar a ideia de bem-estar social que deveria nortear a gestão pública como meta primordial.
Não devemos esquecer, entretanto, que os estragos da PEC 241 vão além e atingirão brutalmente setores como meio ambiente, ciência e tecnologia e cultura. As despesas com saúde e educação são obrigatórias. Com a cultura, são discricionárias, não obrigatórias. Nisso reside um problema da maior gravidade.
A necessidade de manutenção das despesas obrigatórias e o déficit da previdência inevitavelmente farão com que o corte de despesas discricionárias seja brutal, inviabilizando a própria existência de políticas públicas de gestão para vários setores, como o da política cultural. Em resumo, se a tendência é de estagnação de investimentos do estado na saúde e na educação, a tendência é de redução brutal no campo da cultura.
Neste sentido, a PEC 241 se articula com a desidratação evidente do Ministério da Cultura no atual governo, sob o argumento falacioso dos ajustes de gestão. A ideia original do governo era extinguir o Minc, fato que só não ocorreu em virtude da reação da sociedade. Agora, arma-se o cenário para a inviabilização do ministério e configura-se um modelo que desmantelará políticas públicas no campo da cultura, deixando a área nas mãos da lógica implacável do capital. Atividades culturais que não se viabilizarem economicamente simplesmente não se sustentarão.
A tragédia no campo da cultura – o Estado deixará de atuar como reconhecedor dos fazeres inventivos de modos de vida da população, delegando exclusivamente ao mercado esta função – é coerente, portanto, com o projeto de desmonte do estado de bem-estar social brasileiro.
A PEC 241, em suma, consagra a ideia nefasta de um Brasil incapaz de se pensar como nação. Ela é subserviente aos rentistas e grandes instituições financeiras e destrói a possibilidade de construir um país que não seja fundamentado na sanha acumulativa, na manutenção de privilégios, no esfacelamento de seus saberes culturais e na precarização do trabalho. É a morte do Brasil como projeto de um país culturalmente potente e socialmente justo para o nosso povo.
Lutaremos contra ela com todas as nossas forças.
(*) Deputado federal pelo PT-RJ e presidente da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados
Artigo publicado originalmente no site da revista Carta Capital
Foto: Zeca Ribeiro