Cardozo: Se Dilma for condenada, História deverá pedir desculpas

cardozo franca

O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, advogado de Dilma Rousseff no processo de impeachment, fez uma defesa memorável da presidenta nesta terça-feira (30), no Senado, ao mergulhar em cada ponto da acusação e estilhaçar todos eles, argumentando à exaustão a partir de elementos jurídicos concretos e revelando por inúmeros motivos que se trata de um processo injusto e sem fundamento. Assim como o discurso de Dilma na manhã de ontem, a fala de Cardozo carrega um simbolismo histórico na resistência contra a tentativa de golpe em curso no País.

“São pretextos, apenas pretextos para derrubar, por meio de um processo de impeachment, sem crime de responsabilidade, um governo legítimo, escolhido em eleição direta, com a participação de 110 milhões de brasileiros e brasileiras; o governo de uma mulher que ousou ganhar duas eleições presidenciais consecutivas”, afirmou o ex-ministro, que durante toda a sua defesa demonstrou não haver substância concreta nos argumentos da acusação.

Cardozo lembrou que a representação contra Dilma nasceu de uma trama urdida dentro do Tribunal de Contas da União (TCU) e que o processo foi posteriormente admitido pelo então presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) por um revanchismo contra aqueles que não aceitaram livrá-lo da cassação. O ex-ministro detalhou que o autor da representação junto ao TCU, procurador Júlio Marcelo, foi reconhecido como suspeito pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), por ser um militante da causa em desfavor da presidenta, chegando a arregimentar apoiadores para a sua causa nas redes sociais.

Como agravante, a representação assinada pelo procurador contou, na sua confecção, com a ajuda do auditor do TCU Antônio Carlos Costa D’Ávila Carvalho, que posteriormente deu parecer favorável ao mesmo texto do qual foi coautor. “Fica clara a parcialidade, a trama na construção das teses por eles defendidas”, argumentou Cardozo, ao demonstra a fragilidade de todas as argumentações, que não passam de meros pretextos.

“São pretextos para viabilizar um golpe na Constituição, um golpe que, se consumado, resultará na eleição indireta de um governo usurpador, na eleição indireta de um governo que, já na sua interinidade, não tem mulheres comandando os seus ministérios, quando o povo nas urnas escolheu uma mulher para comandar o País; um governo que dispensa os negros na sua composição ministerial e já revelou um profundo desprezo pelo programa escolhido e aprovado pelo povo em 2014”, afirmou.

Depois de contextualizar o período pós-eleitoral, quando houve a tentativa de deslegitimar a reeleição de Dilma, o caminho a seguir foi buscar um argumento para o impeachment. É quando entra em cena Eduardo Cunha. “Ele foi eleito presidente da Câmara contra o Planalto, apoiado pela oposição. Tenho certeza que os senhores da oposição já conheciam Eduardo Cunha, mas o apoiaram porque sabiam que naquele nome teriam força para derrubar a presidenta”.

Cardozo lembrou que, tão logo Cunha assume a Presidência da Câmara, inicia o processo de desestabilização do governo Dilma Rousseff. Sobre as tentativas de chantagem feitas pelo então presidente da Câmara, Cardozo enfatizou que “Dilma encarou Cunha da mesma forma que encarou seus algozes no momento em que foi julgada e disse ‘não aceito ameaças, me enfrente’”. E o que aconteceu a seguir é que esse fato se tornou um vértice “dos ressentidos com a derrota de 2014 e os que queriam parar a Operação Lava Jato”.

Para o ex-ministro, é a partir daí que o Governo Dilma começa a amargar os seus piores dias. “Era necessário tomar medidas que decorriam da crise internacional e de um conjunto de situações pelas quais vários países passavam. O governo fez o possível para acertar, dentro da mais boa-fé. Mas em 2015, o então presidente Eduardo Cunha paralisou a Câmara”, deixando de votar medidas necessárias para sair da crise econômica. Para ele, o clímax da situação foi quando o Procurador Geral da República determinou busca na casa de Cunha e ele rompeu com governo. “Cunha mandou um ultimato: Ou a Bancada do PT vota para encerrar o processo ou eu abro o impeachment”.

Golpe parlamentar e midiático

“Hoje golpes não se fazem mais com tanques ou com armas”, disse, sobre a destituição ilegítima da Presidenta da República”. “Iniciou-se esse processo, criaram-se pretextos jurídicos, da mesma forma que a Ditadura Militar condenou Dilma Rousseff”, explicou, sobre a falta de crime que justificasse o pedido de impeachment. “Pretextos que logo ninguém mais lembrará, que a população não entende, mas sob a justificativa do ‘conjunto da obra’”.

“Os fatos prosseguem. A posteriori surgem provas de que líderes políticos afirmam que Dilma Rousseff precisava sair do poder ‘para estancar a sangria na política brasileira’. Isso é público e notório”, relembrou Cardozo, referindo-se ao vazamento de áudios de Romero Jucá (PMDB-RR) e Sérgio Machado. “Os acusadores de Dilma Rousseff vão à tribuna e colocam seu partido (PT) no banco dos réus. Se focam no ‘conjunto da obra’ e parecem ignorar os fatos que são usados na acusação”, afirmou, concluindo: “São pretextos para retirar uma presidenta que incomoda”.

Argumentos da acusação

Na ausência de fatos e de crimes para cassar o mandado legítimo de Dilma Rousseff, Cardozo reforça que os opositores da presidenta usam pretextos: “São dois pretextos. Pretextos que são atos jurídicos baixados por todos os outros governos anteriores. Todos os outros governos fizeram. Não me digam que não fizeram. É só ver. Fernando Henrique Cardoso baixou decretos idênticos a esse; Lula baixou. E aquilo que chamam de atrasos das subvenções aconteceu em todos os governos”.

“O objeto deste processo são três decretos de abertura de crédito suplementar e atrasos nas operações de crédito do Plano Safra. Muito aqui se tem falado da maquiagem: ‘Houve maquiagem nas contas!’ Por favor, sejamos corretos. A Câmara dos Deputados analisou essa questão da maquiagem. E o parecer do então Deputado Jovair Arantes arquivou essa denúncia. Por quê? Porque disse que não era da alçada da Presidente da República”, lembrou.
Ainda assim, Cardozo mostrou que o relator do impeachment, senador Antonio Anastasia, incluiu essa questão no relatório, indo além do objeto do processo de impedimento.

Sobre os decretos de crédito suplementar, detalhou que a Constituição autoriza expressamente a possibilidade de que leis autorizem decretos que façam suplementação de crédito. Explicou que a Constituição autoriza desde que haja autorização legislativa. Artigo 167: inciso V, da Constituição: “A abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes” é proibida – sem prévia autorização legislativa”.

“É por isso que a Lei Orçamentária, a cada ano, normalmente no art. 4º, autoriza a abertura de créditos, excepcionalmente, em certos casos. E o que prevê o art. 4º? Que é perfeitamente possível que sejam baixados esses decretos, se houver a compatibilização com a meta fiscal. Note-se: não o limite. Há uma diferença entre compatibilizar e limite. Limite é aquilo que eu não posso ultrapassar; compatibilizar é aquilo que admite compatibilização”, explicou.

Julgamento da História

Em uma das partes mais tocantes do discurso, o advogado de defesa de Dilma Rousseff relembrou os atos da Lei de Anistia: “Uma das coisas que mais me emocionavam, ao longo do período em que fui Ministro da Justiça, era dar cumprimento à Lei de Anistia. Por essa lei, quando se faz julgamento dizendo que alguém foi injustiçado pelo Estado, o ministro da Justiça, diante de seus familiares, pede desculpas em nome do povo brasileiro”.

“Aquilo me emocionava, pois peguei o final da Ditadura. O que mais me doía era quando tinha que pedir desculpas e a pessoa já havia morrido”.

“Peço que, se Dilma Rousseff for condenada, algum dia um ministro da Justiça peça desculpas a Dilma Rousseff. Que a história absolva Dilma Rousseff se vossas excelências quiserem condená-la”, apelou Cardozo. “Julguem pela Justiça, pelo Estado de Direito, pela Democracia. Não aceitem que o País sofra um golpe parlamentar”, concluiu a defesa.

PT na Câmara com Agência PT

Foto: Pedro FRança

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