Câmara conclui apreciação de projeto que criminaliza movimentos sociais; PT votou contra

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra reforça sua luta pela reforma agrária. Foto: José Cruz/Agência Brasil-Arquivo

Deputado Lindbergh Farias. Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Proposição é inconstitucional e vai ser questionada no Supremo Tribunal Federal.

O plenário da Câmara concluiu nesta quarta-feira (22/5) a apreciação do projeto de lei (PL 709/23), do deputado Marcos Pollon (PL-MS), que criminaliza a luta social pela reforma agrária e por moradia no País. A Bancada do PT votou contra e denunciou a inconstitucionalidade da proposta que pune qualquer pessoa que ocupar terras ou edificações, públicas ou privadas. Pelo texto que ainda será apreciado pelo Senado, quem invadir fica proibido de realizar concurso público, ocupar cargo na administração pública ou fechar contratos com a União, estados ou municípios. Também fica privado de receber qualquer benefício social como Bolsa Família, Auxílio-Gás, BPC entre outros.

O deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) enfatizou que projeto é claramente inconstitucional e avisou que, “com certeza, vai ser questionado no Supremo Tribunal Federal”. Ele explicou que o texto tira a Justiça, tira o Estado do julgamento, da situação. “Na verdade, não é preciso haver uma decisão judicial para a pessoa sofrer as penalidades. Pelo contrário, é a autoridade policial que tem que anotar os nomes das pessoas, em 10 dias, encaminhar para o Incra diretamente e, depois, o órgão terá 10 dias para apresentar a lista das pessoas que vão ter suspensos direito à Bolsa Família, benefícios sociais, Minha Casa Minha Vida. Este projeto é inaceitável”, protestou.

Deputada Erika Kokay. Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Projeto dos jagunços

A deputada Erika Kokay (PT-DF) afirmou que o projeto afronta o Estado democrático, “porque ele afronta os movimentos sociais, que são fundamentais para a construção de progressos na própria sociedade”. Ela também frisou que a proposta afronta o Poder Judiciário, porque ele retira o Poder Judiciário da sua capacidade de avaliar e de estabelecer as penas. “Ele transporta as penas para outra instituição. Portanto, quem diz que este é um projeto que acaba com a impunidade? Este é o projeto dos jagunços. É o projeto de uma época no Brasil quando o Poder Judiciário não fazia suas intervenções; eram os donos da terra que ali estabeleciam as penalidades. Este projeto coloca as pessoas como desprovidas de direitos”, denunciou.

Na avaliação da deputada, proposta é tão nefasta que pune quem invade propriedades rurais públicas ou privadas, bem como prédios públicos, mesmo que a ocupação tenha como objetivo apenas protestar e exigir do Estado ou de qualquer dos seus agentes a execução de políticas públicas. “E o mais grave, será penalizado sem qualquer atuação do Poder Judiciário, porque o policial identifica quem são os ocupantes sob qualquer hipótese ou ocupantes, — ainda que em ocupação de meia hora, de 1 hora, enfim —, anuncia esses nomes e essas pessoas farão parte de uma lista, que fará que essas pessoas sejam refugiadas no seu próprio País, excluídas, retiradas de qualquer política pública”, criticou.

Deputado João Daniel. Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Projeto autoritário e nefasto”

O deputado João Daniel (PT-SE), coordenador do Núcleo Agrário do partido, repudiou a aprovação do projeto que, na sua avaliação, “é autoritário e nefasto à história da democracia e da Constituição”. Segundo o deputado, nenhum membro do agronegócio brasileiro que produz, que preserva o meio ambiente e respeita a legislação trabalhista quer um projeto “hipócrita” igual a esse.

João Daniel afirmou que os movimentos sociais aprenderam com Margarida Alves – sindicalista brasileira, defensora dos direitos humanos e trabalhistas dos trabalhadores do campo, assassinada em 1983. “Vale mais morrer lutando do que morrer de fome. Esse projeto é inconstitucional, é vergonhoso! Esse projeto é a vergonha da história do Parlamento”.

Deputada Carol Dartora. Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

A deputada Carol Dartora (PT-PR) também repudiou a aprovação do projeto. “ Eu não tenho como não repudiar o que foi aprovado aqui contra o MST. É mais uma tentativa de criminalização desse movimento, que não é invasor de terra, que não está contra a propriedade de ninguém. Ninguém vai ter sua casinha, seu sitiozinho invadido pelo MST. O que o MST pauta neste País é reforma agrária, uma reforma urgente, necessária”, defendeu.

Tanto Carol Dartora, quanto Valmir Assunção relembram a Lei de Terras do Brasil, de 1850, em que as pessoas negras, as pessoas que foram escravizadas eram proibidas de comprar terra neste País. “Isso criou uma desigualdade histórica, quando pensamos em acesso à terra e em garantir que todas as pessoas possam plantar, cultivar, comer e ter uma alimentação saudável e de qualidade neste País e também direito à moradia”, afirmou Dartora.

“Quando se aprova nesta Casa uma lei que diz que um trabalhador rural, que um sem-terra, não tem direito ao Bolsa Família, não tem direito de disputar um concurso público, é equivalente à Lei da Vadiagem ou à lei que estabeleceu que o povo brasileiro tinha que viver no regime de escravidão”, completou João Daniel.

Deputado Valmir Assunção. Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Concentração de riqueza

Na avaliação do deputado Valmir Assunção (PT-BA), o objetivo do projeto é criminalizar os que lutam pela reforma agrária. “O que vocês querem é criminalizar, perseguir aqueles que querem lutar pelo direito à vida. Vocês querem, de todas as formas, concentrar cada vez mais riqueza e renda nas mãos de 1% deste Brasil”, criticou.

Valmir Assunção disse que, “quando se aprova nesta Casa uma lei que diz que um trabalhador rural, que um sem-terra, não tem direito ao Bolsa Família, não tem direito a disputar um concurso público, é equivalente à Lei da Vadiagem ou à lei que estabeleceu que o povo brasileiro tinha que viver no regime de escravidão. “Sabe por quê? Porque vocês não fizeram nada quando as grandes empresas, ou os chamados grandes proprietários, ou parte do agronegócio deste Brasil, grilaram as terras, em que utilizaram a força do fuzil para tomar a terra dos pequenos agricultores na bala”, denunciou.

O deputado enfatizou que boa parte das terras brasileiras são terras devolutas que são ocupadas pelos chamados empresários do agronegócio ou os grandes fazendeiros. “E esta Casa protege esses ricos, protege esses grandes fazendeiros. Agora querem penalizar justamente os pequenos: os trabalhadores”, protestou.

Valmir Assunção assegurou que vai continuar lutando pela reforma agrária. “Nós vamos continuar lutando pela vida. Vocês aprovem o que quiserem aqui, mas não vão tirar o direito de as pessoas lutarem nas praças, nas ruas, pelo seu sonho, por aquilo que acreditam”, afirmou.

Deputado Nilto Tatto. Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Latifundiários invasores

O deputado Nilto Tatto (PT-SP) também considerou uma vergonha para a Câmara a aprovação da proposta. Ele destacou que, historicamente, os latifundiários sempre invadiram terras públicas, “como continuam invadindo terras públicas pertencentes ao povo brasileiro — terras indígenas, territórios quilombolas, unidades de conservação —, tudo aquilo que é patrimônio do povo brasileiro que é invadido, grilado, roubado e que volta e meia, porque sempre tem maioria nesta Casa, aprovam leis para depois regularizar o roubo, o crime”, denunciou.

Na avaliação do deputado, o projeto aprovado criminaliza o direito que está consagrado de um povo que tem o direito de se organizar e lutar por aquele direito. “O próprio Supremo Tribunal Federal já garantiu a quem não é atendido esse direito de se organizar e lutar pelo seu direito”, citou.

A deputada Jack Rocha (PT-ES) e os deputados petistas Alfredinho (SP), Bohn Gass (RS) Rogério Correia (MG) e Tadeu Veneri (PR) também se manifestaram, em plenário, contra a proposta.

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Texto aprovado

Pelo texto aprovado quem praticar o crime de invasão de domicílio ou de esbulho possessório (invadir, com violência à pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas, terreno ou edifício alheio), fica proibido de:

– participar do programa nacional de reforma agrária ou permanecer nele, se já estiver cadastrado, perdendo lote que ocupar; contratar com o poder público em todos os âmbitos federativos;

– receber benefícios ou incentivos fiscais, como créditos rurais;

– ser beneficiário de qualquer forma de regularização fundiária ou programa de assistência social, como Minha Casa Minha Vida; inscrever-se em concursos públicos ou processos seletivos para a nomeação em cargos, empregos ou funções públicos;

– ser nomeado em cargos públicos comissionados; e

–  receber auxílios, benefícios e demais programas do governo federal.

A proibição, nos casos mencionados, é por oito anos, contados do trânsito em julgado da condenação.

Já para o caso de ser beneficiário de programa de transferência direta de renda, como o Bolsa Família, a proibição de participar durará enquanto o indivíduo permanecer em propriedade alheia.

 

Vânia Rodrigues

 

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