FOTO: SALU PARENTE/PT NA CÂMARA
A Câmara dos Deputados abriu hoje um baú que ficou fechado por mais de 50 anos com informações reveladoras sobre momentos importantes da história brasileira pré-Ditadura Militar. Trata-se de toda a documentação coletada pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), instalada na Câmara um ano antes do golpe militar, para investigar a atuação do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad). Entre as acusações que pesam sobre a entidade, está a de promover – com financiamento, sobretudo, norte-americano – candidaturas anticomunistas.
Por iniciativa dos deputados Pedro Eugênio (PT-PE) e Luiza Erundina (PSB-SP), o arquivo com sete caixas e 14 volumes (todo digitalizado num único CD) foi entregue pelo presidente da Casa, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), à Comissão Estadual da Memória e da Verdade Dom Helder Câmara, de Pernambuco, onde o Ibad desenvolveu intensa ofensiva contra o ex-governador Miguel Arraes, eleito em 1962, com o apoio de uma frente de esquerda que derrotou, à época, o representante das oligarquias canavieiras no estado.
“O Ibad teve papel importante – infelizmente, bem-sucedido – na desestabilização do governo democrático de João Goulart. Um dos que deram contribuição importante tanto para criar a CPI como para fornecer informações foi Miguel Arraes. A comissão não teve um relatório final, mas juntou uma série de materiais da maior importância, não só do ponto de vista histórico, mas porque são fatos muito atuais, já que ensinam coisas que podem nos ajudar a entender processos que ocorrem hoje no Brasil, na América Latina e em outras partes do mundo”, detalhou Pedro Eugênio.
Ao entregar a documentação, o presidente da Câmara disse que o tipo de trabalho desenvolvido pelo Ibad é o “exemplo do que não deve ser feito”. “Estou cumprindo o meu dever, prestando um serviço à democracia, para que as pessoas saibam o que à época nós vivemos, muitos episódios de maneira pública, outros de forma implícita, que agora serão revelados”, explicou Eduardo Alves.
“Esse CD é uma bomba chiando. Apesar da volta da democracia, com toda a sua amplitude, o acesso a esses arquivos até hoje não havia sido permitido”, disse Gilberto Marques, membro da Comissão da Verdade de Pernambuco. “Esse material nos permitirá detalhar a forma como operava o Ibad, não apenas no financiamento de campanhas eleitorais, mas no seu relacionamento com a mídia, produzindo material para divulgação, inclusive cartilhas”, afirmou Nadja Brayne, outra integrante da comissão.
Outra acusação contra o instituto é a de ter produzido e difundido amplo material em rádios, jornais e TVs com conteúdo anticomunista. Um dos episódios mais emblemáticos do período foi o “aluguel” durante a campanha eleitoral de 1962 do jornal vespertino “A Noite”, que durante 90 dias mudou completamente sua linha editorial para defender e apoiar candidatos nas eleições legislativas identificados com o anticomunismo.
A interferência do Ibad no período de campanha foi tão ostensivo que naquele mesmo ano ocorreu a primeira tentativa de instalação de uma CPI para investigar suas ações, o que só veio a se concretizar na legislação seguinte, já com uma nova composição eleita para a Câmara, em 1963. “É importante destacar que a atuação do Ibad promoveu um ‘racha’ dentro da própria direita, porque muitos deputados de direita, com visão nacionalista, não aceitaram o financiamento de campanhas com dinheiro vindo do exterior, o que certamente permitiu a coalizão para instalar a CPI”, lembrou Manoel Morais, outro membro da Comissão da Verdade de Pernambuco.
Henrique Mariano, secretário-geral da comissão, disse que todo o conteúdo do CD começará a ser avaliado imediatamente. “Já a partir de amanhã, vamos nos debruçar sobre essas informações, fazer uma separação, uma classificação categorizada. E, obviamente, depois de o trabalho ser concluído, vamos divulgar esses resultados”, detalhou.
Tarciano Ricarto