Quando ouvi a presidenta Dilma Rousseff discursar, na Assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU), condenando a espionagem que órgãos de inteligência americanos estão fazendo contra nações amigas como o Brasil, lembrei-me da única frase proferida pelo grande Chico Buarque no Teatro Casa Grande do Rio de Janeiro, na reta final da campanha presidencial de 2010. Referindo-se ao Serra disse: “não voto em quem fala grosso com a Bolívia e fino com os Estados Unidos!” Não deu outra: enquanto a maioria apoiou a atitude de Dilma em cancelar a visita aos EUA até que o Obama se desculpe e tome providências para parar com a espionagem digital, o pré-candidato do PSDB, Aécio Neves, condenou nossa presidenta.
Na ONU, Dilma defendeu o respeito à soberania dos países e aos direitos humanos, dizendo: “sem o direito à privacidade não há verdadeira liberdade de expressão e opinião e, portanto, não há efetiva democracia. Sem respeito à soberania, não há base para o relacionamento entre as nações!”
Dilma não ficou apenas na condenação da espionagem digital dos EUA. Ela propôs a criação de um marco civil internacional para a internet, defendendo que a ONU lidere os esforços para criar uma ‘governança da web’ sob os princípios de liberdade de expressão, privacidade e respeito aos direitos humanos. De acordo com a presidenta, essa governança deve ter uma universalidade que assegure o desenvolvimento social e humano e a diversidade cultural, sem imposição de crenças, costumes e valores. Também deve garantir a neutralidade da rede, sem restrições políticas, comerciais, religiosas ou de qualquer outra natureza. E, no Brasil, torna-se ainda mais urgente a aprovação do marco civil da internet, em tramitação no Congresso, que trará regras transparentes, com segurança e garantia de privacidade.
A repercussão internacional do discurso foi imediata. O jornal The Guardian, que revelou a espionagem, classificou as declarações como ‘um duro ataque’ à política americana. A BBC produziu matéria com o título ‘Presidente Dilma Rousseff ataca os EUA por acusação de espionagem’. O mais importante jornal espanhol, o El País, destacou a proposta de regulação das atividades na internet. A emissora de tevê CNN transmitiu ao vivo para a Europa os primeiros dez minutos de discurso, exatamente os trechos com as críticas à espionagem.
O cancelamento da visita de Estado que Dilma faria ao presidente Barack Obama, por sua vez, expressou, claramente, o inconformismo do governo brasileiro com a atitude americana, ao contrário do que disseram muitos críticos. Críticos, talvez, saudosos dos tempos em que FHC era recebido com pompa e circunstância nos jardins da Casa Branca, mas cujo governo se mostrava completamente subserviente aos interesses norte-americanos.
Não existem relações entre países, mesmo amigos, isentas de conflitos – a não ser as relações de submissão. Ao ser ‘dura’ com os americanos, a presidenta Dilma apenas demarcou fronteiras e preservou a soberania nacional. O que não significa cortar os laços dos EUA com o Brasil, mas, antes, colocá-los em pé de igualdade.
Orgulhemo-nos da altivez da nossa presidenta que honrou o voto dado pelo Chico e pela maioria do povo brasileiro!
(*) Deputado federal (PT-SP), ex-prefeito de São Carlos e ex-reitor da UFSCar.