Negacionismo do presidente coloca Brasil em primeiro lugar no ranking de casos na América Latina, aponta jornal. ‘Le Monde’ descreve país à beira da barbárie: a “gripezinha” deixou o sistema de saúde incapaz de enfrentar a crise
A tática de menosprezar a letalidade do coronavírus adotada pelo presidente Jair Bolsonaro continua a receber chuvas de críticas por todo o planeta. Semeador de crises em plena pandemia, Bolsonaro ocupa espaço quase diário na imprensa internacional como um dos piores líderes mundiais no enfrentamento da doença. Em seu canal pelo YouTube, o jornal Financial Times noticia que o presidente coloca em risco o combate à Covid-19 na América Latina. O diário apresentou, na quinta-feira (23), uma reportagem na qual expõe como a falta de reação à chegada da pandemia colocou o Brasil em primeiro lugar no ranking de casos na região.
Já o francês Le Monde publica relatos de que o país está “à beira da barbárie” e que “a gripezinha descrita por Bolsonaro se intensifica, deixando o sistema de saúde incapaz de responder a esse desafio”. O governador de Nova York Andrew Cuomo, por sua vez, citou, nesta semana, Brasil e Suécia como exemplos a não serem seguidos no combate ao coronavírus. “Quem foi contaminado, foi contaminado e quem morreu, morreu. Fica por isso (…) Não queremos o mesmo para nossos cidadãos”, disse ele, sobre as medidas mais adequadas de enfrentamento.
A reportagem do Financial Times aponta que, mesmo depois de o Brasil ter sido o primeiro país a registrar mais de mil mortes por infecção da doença, Bolsonaro não mudou de opinião, insistindo pelo fim do isolamento social como a melhor maneira de lutar contra a pandemia. O jornal assinala que o presidente foi ao encontro de correligionários e simpatizantes diversas vezes, desrespeitando as recomendações internacionais de segurança e que sua atitude contrasta com a de presidentes de países vizinhos, como a Argentina do presidente Alberto Fernandéz.
Enquanto o Brasil assiste ao colapso do sistema de saúde, registrando mais de 51 mil casos e 3.407 mortos, a Argentina possui 3.435 infectados e 167 óbitos. O diário abordou ainda o comportamento de outro negacionista latino-americano, o presidente do México, Andrés López.
Segundo o veículo, a demissão do ex-ministro da Saúde, Henrique Mandetta, aumentou ainda mais o desgaste de Bolsonaro, com panelaços explodindo nas cidades brasileiras. “Alguns manifestantes chegaram a chamar Bolsonaro de assassino”, destaca o Financial Times.
O jornal aponta para o fato de que o Brasil, com mais de 210 milhões de habitantes, ainda precisa lidar com a situação nas favelas, que concentram mais de 11 milhões de brasileiros, muitos sem acesso à água potável. A reportagem do Financial Times também informa que o país, que já se encontrava em frágil situação econômica antes da pandemia, agora convive com projeções de queda de 5,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020.
Testar para conhecer a realidade
O FT ressalta ainda que as subnotificações escondem um quadro mais grave: sem ter atingido o pico da curva de contágio, o país já pode ter 12 vezes mais casos do que o reportado oficialmente, segundo pesquisadores. Já o Le Monde se debruça sobre o baixa disponibilidade de testes no Brasil, chamando a atenção para o alarmante aumento de óbitos nos últimos dias. “Quem ainda acredita em números oficiais? Oprimidas, as autoridades não testaram os vivos ou os mortos, e algumas mortes devido ao Covid-19 foram registradas vinte dias depois”, observa o diário francês.
Os testes em massa permitiram a países como a Coreia do Sul controlar a propagação do vírus e adotar as medidas adequadas de isolamento e eventual relaxamento social. Nos Estados Unidos, como no Brasil, o governo não aplicou testes em quantidade suficiente para mapear a trajetória de disseminação do coronavírus em território americano. Apesar disso, os americanos testam cerca de 15 mil pessoas por milhão de habitantes. Já o Brasil patina em 600 testes por milhão de habitantes, em média.
As subnotificações preocupam a comunidade científica no continente americano. Os Estados Unidos se aproximam rapidamente da marca de um milhão de casos e já contabilizam mais de 50 mil mortos. O presidente Donald Trump, que demonstra um comportamento negacionista semelhante ao de Bolsonaro, vem sendo duramente criticado. O jornal americano The New York Times cobrou esta semana a aplicação de testes em massa pelo governo. “Testes em massa são críticos para permitir uma retomada sustentável da atividade econômica”, opinou o jornal, em editorial publicado na terça-feira (21). Para o diário, Donald Trump prefere fingir que o desafio não existe.
“Os testes permitem a substituição de quarentenas direcionadas por paralisações gerais, dando às autoridades de saúde pública a oportunidade de identificar as pessoas que ficam doentes e, por sua vez, as que foram expostas ao vírus”, argumenta o Times. “E permite que as pessoas voltem com segurança ao trabalho, à escola e às lojas”.
Proteger as pessoas e a economia
Trump, assim como Bolsonaro, um árduo defensor do fim do isolamento social, convive diariamente com a voz ríspida da imprensa. Mas também vem colecionando ataques e críticas disparados tanto pela comunidade científica quanto por acadêmicos da área econômica. No mesmo Financial Times, o colunista Martin Wolf rebate o argumento do presidente americano de que a a cura não pode ser pior do que o problema, uma referência ao definhamento da economia em razão da prática de quarentena.
Para Wolf, com o fim do confinamento, a economia não voltará o ponto onde estava antes da crise, como se supõe. “A verdadeira questão é o que aconteceria à economia de hoje na ausência do isolamento social”, afirma. “A resposta é que, se o vírus voltasse a galopar mais uma vez, grande parte da atividade econômica do dia-a-dia deixaria de existir”.
Ainda de acordo com o colunista, não é apenas improvável que a suspensão da querentena traga a economia de volta. “Pior ainda, uma reabertura seguida por uma onda de infecções crescentes e um confinamento, ou mesmo um ciclo de reabertura e bloqueio, devastaria a economia – além da credibilidade dos formuladores de políticas”, diz.
“Não é uma questão de tratar de proteger as pessoas ‘ou’ a economia, mas de proteger as pessoas ‘e’ a economia, conclui.
PT Nacional