Sob pressão de Jair Bolsonaro, que chegou a determinar o adiamento do anúncio do aumento na bandeira vermelha patamar 2, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) resolveu criar uma nova bandeira tarifária: a de “escassez hídrica”. Anunciada nesta terça-feira (31), a nova taxa extra será de R$ 14,20 a cada 100kWh consumidos, com vigência de 1º de setembro de 2021 a 30 de abril de 2022.
O valor é o mesmo que o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico decidiu, em reunião na noite desta segunda-feira (30), recomendar à Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (Creg) para a bandeira vermelha patamar 2. No início de junho, a Aneel começou a aplicar nas contas a tarifa, mais cara do sistema, que representava então uma cobrança adicional de R$ 6,24. No fim do mês, a tarifa sofreu reajuste de 52% e a cobrança passou para R$ 9,49 a cada 100 kWh consumidos.
Agora, “maquiada” pela Aneel a mando de Bolsonaro, a nova bandeira tarifária, 49,6% mais alta que a vermelha patamar 2, deverá levar a um aumento de 6,78% na conta de luz. Energia elétrica, que já subiu 20,1% nos últimos 12 meses, e combustíveis tem sido os principais impulsionadores da inflação galopante deste ano.
Na última quinta-feira (26), o ministro-banqueiro da Economia, Paulo Guedes, mencionou o assunto em evento com investidores. “A bandeira subiu e ia subir mais. Eu sugeri moderação: sobe um pouco mais, mas por mais tempo, porque precisamos repor os reservatórios. É melhor subir um pouco por mais tempo do que subir mais por apenas três meses”, disse. Graças à intervenção de Guedes, as famílias brasileiras, já pressionadas pela derrocada econômica nacional, terão que conviver com contas abusivas até o fim de abril do ano que vem.
A definição das bandeiras tarifárias é uma atribuição da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que, em tese, seria independente. A Creg é formada por representantes de seis ministérios. Mas o ministro de Minas e Energia, almirante de esquadra Bento Albuquerque, também tem interferido nas tratativas.
“Tendo em vista o déficit de arrecadação já existente, superior a R$ 5 bilhões, e os altos custos verificados, destacadamente de geração termelétrica, foi aprovada determinação para que a Aneel implemente o patamar específico da Bandeira Tarifária, intitulado Escassez Hídrica”, argumentou André Pepitone, diretor-geral da Aneel, em coletiva.
Conforme boletim divulgado pelo Operador Nacional do Sistema (ONS) na quinta, os reservatórios das usinas hidrelétricas do Sudeste e do Centro-Oeste operam com apenas 22,7% da capacidade de armazenamento. Responsáveis por 70% da geração hídrica do país, os reservatórios apresentam os níveis mais baixos dos últimos 91 anos.
A maior queda no nível de armazenamento (1 p.p) foi registrada na Região Sul. O subsistema opera com 30,7% da capacidade. Os reservatórios do Nordeste operam com 50,4% da capacidade, e as usinas da região Norte, com 72,8% da capacidade. Segundo o relatório do ONS, as afluências continuam abaixo da média histórica.
Reservatórios foram esvaziados para elevar lucros, denuncia MAB
Em julho, a Coordenação Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) publicou artigo demonstrando que o volume de água que entrou nos reservatórios das usinas hidrelétricas brasileiras durante o último ano foi o quarto maior da última década. O artigo foi fundamentado em dados oficiais do próprio ONS.
O volume, afirma a entidade, foi o equivalente a 51.550 MW médios. No entanto, o volume de energia produzida por hidrelétricas ficou em 47.300 MW médios, ou 4.250 MW médios abaixo da quantidade de água que entrou nos reservatórios no mesmo período.
“É falso alegar que os reservatórios estão vazios por uma suposta seca no Sudeste brasileiro”, afirmou a entidade. “Os reservatórios foram esvaziados sem que houvesse necessidade de atender a um aumento na demanda, uma vez que ela diminuiu.”
Segundo o artigo, o esvaziamento dos reservatórios das usinas ocorreu em plena pandemia, quando houve queda média de 10% no consumo nacional de eletricidade. Em diversas usinas, como Itaipu, a operação foi realizada “com evidente interesse de gerar escassez para explodir as tarifas”.
“Toda essa água vertida poderia ter sido armazenada ou transformada em energia, sem aumento dos custos”, prossegue o artigo do MAB. Se algumas usinas jogaram água fora, outras foram acionadas para produzir acima da média, “principalmente as privadas, o que também levou ao esvaziamento”.
“Aqui, predomina a lógica de que quanto mais vazios os lagos, mais alto é o preço”, acusa o MAB. Sem hidreletricidade, acionam-se as termelétricas, muito mais caras. “E sabemos que, em geral, os donos das hidrelétricas também são donos das termelétricas”, conclui o artigo.
Redação da Agência PT