“Por onde quer que se olhe, tanto a educação superior quanto a básica, as ameaças à livre-docência, à autonomia, elas estão na ordem do dia”, resumiu Fernando Haddad em entrevista ao Estado de S. Paulo, quando pedido para avaliar a nova gestão do Ministério da Educação e Cultura (MEC), centro de polêmicas recentes do governo Bolsonaro. A conversa com o jornalista Morris Kachani foi publicada na edição de domingo (17) em seu blog Inconsciente Coletivo.
Nos últimos dias, o alto escalão do ministério foi o epicentro de mais uma crise do governo com os desentendimentos entre a ala militar e seguidores do autointitulado filósofo Olavo de Carvalho. Os dois grupos disputam poder dentro do órgão e pelo menos sete pessoas do alto escalão da pasta foram exoneradas ou remanejadas, dentre elas o ex-secretário executivo Luiz Antônio Tozi, número dois na hierarquia do órgão.
“É muito espantoso o que está acontecendo. Eles não têm 80 dias no cargo e estão se matando em torno de questões prosaicas, que não deviam nem estar sendo discutidas por pessoas com o mínimo de familiaridade com o tema”, critica o ex-ministro e candidato à Presidência da República pelo PT em 2018.
Haddad esteve à frente da pasta entre 2005 e 2012, durante os mandatos presidenciais de Lula e Dilma, e foi responsável pela criação do Programa Universidade para Todos (Prouni), do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) dentre outras medidas que contribuíram para alavancar o acesso ao ensino de qualidade no Brasil.
Ele pondera que ainda não dá para saber exatamente o que o ministro de Bolsonaro, Ricardo Vélez, propõe para educação, mas que existem parâmetros úteis para avaliar o início de uma gestão como, por exemplo, a visão do governo sobre as universidades públicas.
“Um governo de extrema direita quer destruir a universidade pública. Você veja que todas as menções que são feitas às universidades públicas são depreciativas. Não se vê mérito nas universidades federais por parte do governo Bolsonaro. Ao contrário, o que se vê são ameaças permanentes. O tempo todo ameaçando reitores, a autonomia, ameaçando uma intervenção”, analisa.
E contextualiza: “Onde o Brasil constitui massa crítica? Na universidade pública. O pensamento nacional está na universidade pública, por isso que é sempre escolhida como alvo da direita. É de lá que sai o pensamento sobre soberania popular, soberania nacional, sobre visão estratégica do País. É lá que se forja uma visão coletiva de futuro”.
No que diz respeito à educação básica, Haddad critica o ataque sistemático que as professoras têm sofrido no País com base na narrativa de que falta disciplina nas escolas. “Se falta autoridade e disciplina na escola, falta empoderar essa figura que é central no processo de ensino e aprendizagem, que é a figura da professora. E eu falo professora, porque 85% da categoria são mulheres. Diante disso, qual o sentido de enfraquecer a imagem da professora perante os educandos?”, observou o ex-ministro ao Estadão.
Brasil precisa continuar investindo em educação
Outro problema da atual gestão pontuado por Haddad é a falsa ideia que o governo tem de “gastar demais com educação” quando, na verdade, o Brasil investia apenas entre 2% e 3% do Produto Interno Bruto até Lula assumir a Presidência. Ele explica que esses números estavam abaixo do que era investido, em média, nos países desenvolvidos, onde 5% do PIB era aplicado no ensino. “O único presidente que superou a média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), foi justamente o Lula”, ressalta.
Ainda sobre as reclamações de Bolsonaro com o gasto em educação, o ex-ministro pontua que Jair “desconhece praticamente todos os assuntos” e, portanto, não é novidade que, mais uma vez, esteja errado em sua avaliação sobre a destinação de recursos públicos.
“A eleição do Bolsonaro é em si um espanto, para o Brasil e para o mundo. Estamos falando de uma das pessoas menos qualificadas para o cargo que se podia imaginar”, destaca.
Agência PT de Notícias