O programa Bolsa Família foi promulgado em 20 de outubro de 2003, durante o primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a partir da unificação e ampliação de programas de transferência de renda já existentes. No primeiro mês, o programa atendeu cerca de 1,15 milhão famílias. Hoje, com 15 anos de existência, o Bolsa Família atende mais de 13,9 milhões de famílias, que recebem, em média, R$ 178.
O mecanismo de transferência de renda é elogiado internacionalmente pela eficácia, mesmo com baixo custo para o Estado, aponta a Jucimeri Silveira, doutora em Serviço Social e professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).
“É um programa que tem uma relevância muito importante e é reconhecido pela ONU como exitoso pela sua contribuição, não só na redução da pobreza, mas também na melhoria de indicadores de desenvolvimento humano”, pontua a especialista.
O relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) de 2015 apontou crescimento de 10,5% do IDH brasileiro entre 2000 e 2014 — o índice saiu de 0,683 para 0,755. Além disso, de 2006 a 2014, a pobreza multidimensional caiu de 4% para 2,9%. O dado representa a porcentagem de brasileiros sem acesso a itens básicos de assistência social.
A ONU reconheceu a participação do programa na melhoria desses indicadores. E o Banco Mundial chegou a recomendar que o governo ampliasse o orçamento previsto do Programa Bolsa Família para conter o aumento do número de “novos pobres”.
“Há um consenso sobre sua importância no impacto positivo no acesso a demais direitos e políticas sociais pelas condicionalidades, especialmente saúde e educação. Mas, infelizmente, há uma parcela da sociedade e projetos políticos que conflitam com essa perspectiva e tem disseminado preconceito, ódio, moralismo e criminalizam as famílias beneficiárias do Bolsa Família”, continua a professora.
Autonomia feminina – Outro aspecto que Silveira destaca é que o Bolsa Família também contribuiu para o desenvolvimento dos territórios antes negligenciados e, consequentemente, ajudou na redução das desigualdades regionais. E que ele também foi determinante, principalmente, para as mulheres.
O índice da participação feminina no programa chega a 93%. A Lei do Bolsa Família define que elas devem ser as titulares preferenciais do benefício. Ou seja, as responsáveis por receber o cartão e o pagamento.
Um estudo do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) das Nações Unidas demonstrou que o acesso direto aos benefícios do programa aumentou a capacidade de tomada de decisão das mulheres em relação às questões domésticas, impulsionando sua autonomia.
Esse é o caso da manicure Antonia Fabia da Costa Alves, de 35 anos. Ela conta que o valor do benefício parece que quase sempre se multiplica. O benefício é utilizado por ela para fazer feira, comprar roupa e material escolar para os seis filhos e até ajudar no aluguel.
Operação pente-fino – O governo alega que a fila do Bolsa Família está zerada há 13 meses – ou seja, que conseguiu integrar todas as pessoas que procuraram o programa neste período. E, no final de abril deste ano, reajustou o valor do benefício em 5,67%. Mas, no mesmo mês, 671 mil benefícios do programa de transferência de renda foram cancelados.
Considerando entradas e saídas de beneficiários no período de um ano, o saldo é negativo: de julho de 2016 a agosto de 2018, 5,9 milhões de famílias entraram e 6 milhões saíram do programa. O governo federal argumenta que a rotatividade no Bolsa Família é usual.
Em 2016, o governo de Michel Temer (MDB) realizou a Operação Pente-fino para corrigir eventuais irregularidades na concessão de programas sociais em que, no total, foram cancelados benefícios de 5,2 milhões de pessoas do Bolsa Família.
Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), os motivos mais frequentes para cancelamentos de benefícios são renda superior ao declarado, não cumprimento de condicionalidades, ausência reiterada de saque e não atualização de informações do Cadastro Único.
“Desde o pente-fino, as checagens são mais frequentes e as bases de dados, mais numerosas. O beneficiário passa por batimento de informações antes de ser habilitado a receber o benefício, o que resulta em um melhor direcionamento do recurso”, informou o MDS.
Jucimeri Silveira analisa que o discurso sobre a necessidade de ajustes, no entanto, dificulta o acesso ao benefício.
“Nós sabemos da importância do constante aprimoramento do programa, visando sua totalização, com critérios de equidade para alcançar as famílias que mais precisam. Mas, isso na prática, tem significado a exclusão de muitas famílias do acesso a esse importante programa”, denuncia a professora.
O deputado Patrus Ananias (PT-MG) foi o responsável por elaborar o Bolsa Família no âmbito do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Ele lembra que, há 15 anos, o programa enfrenta resistências da opinião pública.
“Desde o início, o Bolsa Família teve que enfrentar essa oposição dessa elite brasileira retrógrada, que sempre falava sobre as portas de saída. Quer dizer, as pessoas nem tinham chegado e já queriam que elas saíssem do programa.”
Falta acompanhamento – Apesar da propaganda de que a fila do Bolsa Família está zerada, o governo federal não tem informações consolidadas sobre o perfil de quem sai do programa. De 13,8 milhões de beneficiários do Bolsa Família em 2017, cerca 35 mil pediram desligamento voluntário; ou seja, apenas 0,25% do total de famílias que participam do programa.
Em contrapartida, no mesmo período, quase 1,67 milhão viram o benefício cancelados devido a processos de averiguação e revisão cadastral no mesmo período.
As famílias podem ser excluídas do programa por fiscalização, revisão e averiguação cadastral ou por descumprimento de condicionalidades, como a frequência escolar de crianças e adolescentes de famílias que integram o programa.
Os beneficiários também podem sair do Bolsa Família devido à superação das condições econômicas ou voluntariamente, como foi o caso da estudante sergipana Iva Mayara, que entregou simbolicamente seu cartão do programa ao ex-presidente Lula durante a caravana do petista à região nordeste.
No entanto, o MDS não tem dados consolidados sobre os motivos dos desligamentos acumulados no programa no último ano.
Em resposta a um pedido do Brasil de Fato feito pela Lei de Acesso à Informação, a Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (Senarc), órgão do MDS, afirmou que, para associar os cancelamentos das famílias e seus respectivos motivos, “seria necessário deslocar recursos humanos e tecnológicos da Secretaria, o que impactaria a rotina operacional do órgão”.
Patrus Ananias considera que “não é razoável” o governo não apresentar os dados cruzados, já que há possibilidade de fazer o acompanhamento detalhado do programa.
Ele pontua que é contraditória a redução de famílias atendidas em um cenário de recessão econômica. A pobreza extrema aumentou 11,2% no país entre 2016 e 2017, mostrou uma pesquisa com base nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“Estamos vendo pessoas sendo retiradas do programa sem nenhum dado, sem nenhuma informação clara do porquê; se essas famílias alcançaram, de fato, um patamar de vida mais digno em termos de capacitação profissional ou de acesso ao mercado de trabalho em um momento que aumenta drasticamente o desemprego”, lamentou.
“Hoje é possível ter todos esses dados, com o desenvolvimento tecnológico e com modernas ferramentas. Nós tínhamos um controle e monitoramento permanente de todas as famílias do Bolsa Família, em todo o território nacional”.
Outro dado que o governo federal não disponibilizou foi o cadastramento de pessoas pela estratégia de busca ativa. A abordagem, criada durante pelo Plano Brasil Sem Miséria durante o governo de Dilma Rousseff, consiste em localizar e incluir pessoas em situação de vulnerabilidade para ampliar a cobertura do programa.
Segundo o governo federal, não é possível gerar estes dados, no âmbito nacional, porque a estratégia “cabe às gestões municipais, responsáveis pelo processo de cadastramento”.
Futuro do programa – A proposta de Orçamento de 2019 encaminhada pelo governo golpista de Michel Temer (MDB) previa apenas R$ 15 bilhões para o programa, metade do orçamento anual necessário para sua manutenção. O governo recuou e, em setembro, confirmou o orçamento de R$ 30 bilhões.
O deputado Patrus Ananias analisa que o programa deve ter a verba encolhida, na prática, como efeito da Emenda Constitucional (EC) 95, aprovada em dezembro de 2016 e que limitou os investimentos públicos por 20 anos. Ele afirma que a proposta “assinou a sentença de morte” do programa.
Brasil de Fato