Uma Reforma da Previdência deveria ter o objetivo de dar maior equilíbrio e justiça às situações diferenciadas do povo brasileiro, em vez de ser direcionada por uma simples visão financeira como o ministro da Economia do governo Bolsonaro tem, com foco exclusivo na redução do impacto orçamentário da Previdência Social. Essa é a opinião do ex-deputado federal (PT-SP) e ex-ministro da Previdência Social (2003-2004) e do Trabalho e Emprego (2004-2005) Ricardo Berzoini.
Em entrevista à Agência PT, ele avaliou a nova Reforma da Previdência que vem sendo anunciada Bolsonaro e sua equipe, a qual irá criar uma idade mínima para a aposentadoria integral, de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens, e ainda aumentar o tempo mínimo de contribuição para receber o benefício.
Para ele, quando se fala em déficit e que a Previdência vai quebrar, “existe uma tentativa de constranger a sociedade”. Ele explica que a previdência é composta de diversos subsistemas para atender aos diferentes contingentes de trabalhadores na desigual sociedade brasileira. Quem está trabalhando paga para o sistema previdenciário, que paga a diversos setores da sociedade: isso inclui não apenas aposentados e aposentadas, mas também pensionistas, pessoas em licença por doença ou acidente, licença maternidade, entre outros.
“O orçamento da União quem decide é o povo através de seus representantes no Congresso, ou seja, o Congresso tem a prerrogativa de fazer uma reforma tributária já, que compense as benesses tributárias que foram concedidas, principalmente nos governos Sarney, Collor e Fernando Henrique Cardoso. Foram três governos que promoveram várias benesses para o setor rentista. Por isso que o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo”, destaca o ex-ministro.
A crueldade no aumento do tempo mínimo de contribuição
Ainda que muitas pessoas com boa qualificação profissional consigam contribuir por 35 anos de maneira mais ou menos fácil no regime urbano, isso é um privilégio, explica Berzoini. “Tem trabalhadores frágeis, de baixa qualificação ou até média qualificação que passam muitos meses ou anos desempregados, ou trabalham muito na informalidade. Quando há crise a informalidade cresce muito”, afirma.
“Para esses trabalhadores, elevar o tempo mínimo para 20 ou 25 anos ao invés de 15, é excluí-los do direito de se aposentar. Quem chega aos 60 anos de idade no caso da mulher e 65 no caso do homem, que são as idades, muitas vezes quando vai somar tudo que ele contribuiu, não dá 20 anos, muito menos 25. Esse é um aspecto muito negativo da reforma, que não tem a ver com idade mínima, mas com o tempo mínimo de contribuição”, avalia.
Aposentar-se fica mais difícil
Segundo Berzoini, a idade mínima para aposentadoria integral pode até ser viável para trabalhadores com vida pessoal de qualidade, ambiente salubre, mas não para a maioria das classes trabalhadoras. “Para a maioria das classes trabalhadoras, com origem em situações mais complexas, é muito difícil chegar a essa idade para aposentar e viver muito tempo além disso. Quando se coloca todo mundo no mesmo saco, você cria injustiças inerentes à sociedade brasileira”.
Ele ainda lembra que no Brasil há hoje ”mais de 4 milhões de famílias que se dedicam à atividade agrícola familiar, e essas famílias, se não tiver manutenção das condições atuais para aposentadoria, também ficarão excluídas, o que vai significar mais pobreza no campo, mais exclusão social e migração para a cidade porque essas pessoas não conseguirão sobreviver”.
Capitalização é incompatível com justiça social
Para o ex-ministro da Previdência Social, “o fundamental é que a previdência básica seja de repartição, com caráter orçamentário no orçamento geral da união. Não é correto atribuir isso à gestão privada de bancos ou seguradoras e atribuir a rentabilidade individual como critério para aposentadoria”.
Ele argumenta que o regime de capitalização pode ser interessante como forma de previdência complementar, mas é inviável como regime básico.
“Não sou contra existir previdência de capitalização como sistema complementar. Como tem os empregados de grandes empresas e fundos de pensão, administrados pela lógica de complementação de aposentadoria. A previdência social, para atender os pobres e a classe média baixa, tem que ser necessariamente de repartição. Repartição significa que quem trabalha paga para quem não está trabalhando – aposentado, pensionista, trabalhador licenciado por acidente ou doença, a mulher em licença maternidade, um conjunto de situações laborais que a previdência tem que cumprir e o sistema de capitalização não cumpre isso”.
Saída na taxação dos ricos
Berzoini é enfático ao dizer que os ricos pagam poucos impostos no Brasil e que precisam ser mais taxados, o que em grande medida resolveria o problema de caixa que pode ser associado à Previdência. Os lucros e dividendos (ganhos dos acionistas de grandes empresas) não são taxados no Brasil, além disso, há maneiras de diminuir a tributação que são amplamente usadas pelas grandes empresas.
“É bom lembrar que privilégio no Brasil quem tem são os grandes detentores do capital, os dividendos do mercado de ações são isentos de impostos, o que é absolutamente revoltante, porque o trabalhador de classe média e classe média baixa paga Imposto de Renda”.
“Essas pessoas que recebem dividendos da Gerdal, Itaú, Vale: os dividendos chegam às contas correntes sem nenhuma tributação. Além disso, é permitido a distribuição do lucro como juros sobre capital próprio– e juros no Imposto de Renda da Pessoa Jurídica paga-se apenas 15%, quando sobre o lucro paga-se até 34%. É outro benefício para o lucro na apuração da Pessoa Jurídica e aí isenta na Pessoa Física”, explica Berzoini.
Segundo Ipea, o trabalhador de baixa renda paga até 40% de impostos embutidos nos preços dos produtos. Já o grande capitalista de alta renda, quase sempre recebe juros e dividendos. “Se juros pagam 15% e dividendos não pagam nada em impostos, o grande capitalista que tem metade do patrimônio em renda fixa e metade em renda variável vai pagar aproximadamente 7,5% de IR sobre a renda enquanto o trabalhador de classe média paga até 27,5%”.
Como solução, o ex-ministro defenda a Reforma Tributária. “Tributar os dividendos, tributar as grandes heranças, eliminar os benefícios tributários injustificáveis para os ricos. Porque nas contas do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) há mais de 250 bilhões em arrecadação anual que não vão aos cofres públicos porque leis permitem “fraudes” legalizadas por leis injustas”.
Para Berzoini, “o correto não é dizer que Previdência está quebrada ou não. O correto é dizer que a Previdência não é banco nem fundo de pensão. É um sistema orçamentário e o Congresso nacional tem toda condição de equilibrar as contas se a união, os estados e municípios fizerem o dever de tributar quem tem de ser tributado, sem prejudicar as pessoas de baixa renda que já são muito tributadas no Brasil”.
PT na Câmara com Redação da Agência PT de notícias