Eventualmente, questão precisa ser discutida: governo não pode abrir mão de sua autoridade monetária, escreve Zeca Dirceu;
A atual taxa básica de juros estabelecida pelo Banco Central –13,75% ao ano– é inconcebível à luz de qualquer parâmetro técnico. A taxa real de 8% ao ano –a mais alta do planeta– impacta
decisivamente a qualidade de vida da população, pois prejudica frontalmente a criação de empregos e renda, compromisso maior do governo eleito em 2022.
A estratosférica taxa de juros afeta diretamente os investimentos e, com isso, o crescimento do Produto Interno Bruto. As micro, pequenas, médias e grandes empresas são desestimuladas a investir, a dívida pública cresce geometricamente, tudo em nome de um conceito apartado da realidade e que suscita, ao mesmo tempo, questionamentos sobre a tão propalada autonomia do BC.
Por isso, é necessário o presidente do BC, Roberto Campos Neto, comparecer ao Congresso Nacional para dar explicações. Como qualquer outra autoridade, ele tem de explicar as decisões da instituição que comanda e suas consequências para o país.
Não se trata de fulanizar o problema, mas sim, na presente conjuntura, de analisar as consequências das decisões. E o quadro é claro: a taxa de juros é absurda, exagerada, abusiva. É só fazer a comparação do juro real do Brasil com o de qualquer outro país. Quando as decisões resultam em melhorias na economia, tudo se acalma. Campos Neto precisa explicar detalhadamente a razão de juros tão altos.
O atual nível de taxa de juros compromete o funcionamento da economia brasileira e está completamente desalinhado com a escolha da população nas urnas. A pergunta que resta a ser feita é: quem está sendo beneficiado com esta taxa?
Quando Lula governou por 8 anos, mesmo sem imposição legal, o BC já tinha a autonomia operacional necessária para executar a política monetária, ou seja, a capacidade de fazer suas escolhas para perseguir as metas de inflação fixadas pelo Poder Executivo por intermédio do Conselho Monetário Nacional.
Com isso, em 13 anos e meio de PT à frente do governo, só interrompidos com o golpe de 2016, a inflação anual em regra permaneceu dentro da meta estabelecida. As datas e as atas das reuniões do Copom eram públicas e aumentou a transparência das decisões e dos dados que as embasaram.
Não se trata de rever, no momento, a autonomia do Banco Central, mas é preciso abordar o tema. Engavetado por quase 30 anos, o projeto que concedeu autonomia formal ao Banco Central voltou à pauta no governo Michel Temer e acabou sendo aprovado no de Bolsonaro. O principal problema é que permitiu que um órgão estratégico ficasse descolado das plataformas dos governos escolhidos pelo povo brasileiro nas urnas.
Autorizou-se um segmento burocrático do Estado, submetido a forte influência do já privilegiado sistema financeiro, a agir independentemente do Executivo. Ilude-se quem acredita que a tecnocracia não pode ser capturada ou manipulada pelo setor financeiro, diretamente interessado nas decisões do BC.
A retomada do caminho do desenvolvimento com justiça social e o combate às desigualdades sociais e regionais exigem a integração dos instrumentos de política econômica (fiscal, monetária, creditícia e cambial). É um erro permitir que uma parte da política econômica seja independente das demais por meio de autonomia total a um grupo de técnicos não eleitos para conduzi-la.
O governo não pode abrir mão de sua autoridade monetária. Autonomia do BC não significa menores índices de inflação e menos privilégios para o setor financeiro. Essa questão em algum momento terá que ser discutida, pois, hoje, a autonomia é apenas instrumento para manter e aprofundar um sistema elitista que se confunde com o sistema financeiro.
Deputado Zeca Dirceu (PR), líder do PT na Câmara