Em artigo, o deputado Newton Lima (PT-SP) contesta declaração do senador Aécio Neves (PSDB-MG) que propôs o “fim do Mercosul”. Para o deputado, “ao afrontar o Mercosul, Aécio Neves comete um erro grave. Desalinha-se do destino histórico de convergência de nações amigas, da busca de superação de problemas comuns, e se junta àqueles que sempre defenderam nossa subalternização aos interesses norte-americanos, cristalizada na tentativa de implantação da Área de Livre Comércio das Américas – ALCA”. Leia a íntegra:
Sonhos tucanos: Alca e Petrobrax
(*) Newton Lima
Como presidente da Representação Brasileira no Parlamento do Mercosul, sinto-me no dever de contestar a declaração do senador Aécio Neves, divulgada pelo jornal Valor Econômico, que propôs, em evento recente, o “fim do Mercosul” ou, pelo menos, a extinção da união aduaneira do bloco, de modo a torná-lo apenas área de livre comércio. Na visão do senador, o Mercosul seria “uma coisa anacrônica”, que “não serve aos interesses brasileiros”, pois impede que o nosso país firme acordos comerciais com outras nações e se integre mais às cadeias produtivas globais.
A proposta do senador tucano choca frontalmente com o diagnóstico feito pela Federação das Indústrias de São Paulo, em recente estudo intitulado “Agenda para a Integração Externa”, que mostra exatamente o contrário do que ele pensa. Em artigo no jornal Folha de S. Paulo (18.06.2013), o empresário Benjamin Steinbruch lamenta que as opiniões favoráveis ao abandono do Mercosul “se apóiam em razões ideológicas”.
Os dados são contundentes: nos últimos 10 anos, as exportações brasileiras para os países do Mercosul somaram US$ 169 bilhões, com superávit acumulado da ordem de US$ 46 bilhões. Não obstante a participação das commodities na balança comercial brasileira, nesses dez anos, cerca de 91% das nossas exportações para o Mercosul (US$ 154 bilhões) são de produtos manufaturados, enquanto que para EUA, US$ 138,7 bilhões e União Europeia, US$ 137,9 bilhões.
Mesmo com os efeitos da crise, a partir de 2008, o intercâmbio entre os países do Mercosul foi superior ao do comércio internacional: enquanto as trocas globais aumentaram 13% no período 2008-2012, o comércio intraMercosul cresceu mais de 20%.
Aécio Neves parece desconsiderar os acordos de liberalização comercial assinados entre os países membros do Mercosul, que tratam da redução de tarifas alfandegárias a quase zero. Já é possível afirmar que o livre-comércio entre o Brasil e praticamente todos os países da América do Sul é uma realidade.
Nesse debate, é importante observar que o objetivo do Mercosul é muito maior do que o mercado comercial. O bloco foi formado para promover a integração entre as nações e o desenvolvimento econômico, social, cultural e político da região.
O Mercosul tem também clara dimensão geoestratégica. Além de dar maior peso aos Estados Partes no cenário mundial e contribuir para tornar a América do Sul um espaço de paz, prosperidade e justiça social, o bloco está em negociação com a União Europeia para ampliação das relações comerciais e integração econômica.
A União Europeia levou 50 anos para se consolidar. O Mercosul tem pouco mais de 20 anos. O “fim do Mercosul”, como propõe o senador Aécio Neves, seria um retrocesso de grandes proporções para a política externa brasileira.
Ao afrontar o Mercosul, Aécio Neves comete um erro grave. Desalinha-se do destino histórico de convergência de nações amigas, da busca de superação de problemas comuns, e se junta àqueles que sempre defenderam nossa subalternização aos interesses norte-americanos, cristalizada na tentativa de implantação da Área de Livre Comércio das Américas – ALCA. A proposta do senador remete ao sonho dos tucanos de ver o Brasil inserido na ALCA como consumidor de produtos dos EUA, e o Estado reduzido ao mínimo, com a política de privatização. O mesmo governo do PSDB, que nos idos dos anos 1990, fez de tudo para privatizar a Petrobras, tentando até mudar o nome para Petrobrax, a fim de facilitar a venda da empresa na Bolsa de New York. O mesmo governo que, em 2001, viu afundar a plataforma P-36, a maior do mundo, que custou R$ 350 milhões, e emborcar a P-34, em 2002, numa prova de desgoverno e sucateamento da Petrobras.
Portanto, o senador Aécio Neves insiste, no debate eleitoral, em resgatar ideias derrotadas e superadas na crise internacional, sem levar em consideração que o Brasil e o mundo mudaram.
(*) Deputado federal (PT-SP), ex-prefeito de São Carlos e ex-reitor da UFSCar.