*Décio Lima
Séculos dos direitos humanos mais fundamentais e de conquistas sociais arduamente obtidas foram revogados no Brasil nesta semana. Na terça-feira o Senado Federal aprovou a proposta do presidente ilegítimo e recuou as condições de trabalho e os direitos dos trabalhadores até o século XIX, fazendo do Brasil o que podemos chamar, sem temer exagero, de um país semi-escravocrata. O trabalho agora poderá ser pago a preço aviltante e os trabalhadores tratados como animais de carga, com seu tempo e seus corpos submetidos aos caprichos de seu empregador, a liberação do trabalho insalubre para gestantes é um dos dramáticos exemplos, mas de forma alguma o único.A negociação direta entre empregado e empregador pouco difere das condições da própria escravidão, posto que coloca o mais forte como juiz de si mesmo.
Na quarta feira o bloco golpista, através da pena de seu sócio curitibano, cancelou direitos humanos construídos por dezenas de séculos, como o de um julgamento justo, a presunção de inocência e a condenação condicionada a existência de provas. Lula não só foi condenado sem provas ele foi condenado apesar das provas, que atestam de forma contunde sua inocência. Tornou-se evidente que não estamos diante de um julgamento e sim de um linchamento, um processo que já tinha a condenação decidida quando começou e no qual as provas e ritos foram percebidos como irrelevantes e meros inconvenientes a tolerar até a emissão do juízo já pronto. Isso aconteceu porque os motivos da condenação de Lula não estão no processo. Lula foi condenado na quarta pelos mesmos motivos que a legislação trabalhista foi demolida na terça, a convicção, dos golpistas, de que os de baixo não tem direito a nada.
O desejo mesquinho e perverso de converter os pobres em pasto de seus desejos, fúrias e caprichos é o que motiva os carrascos de Lula e dos direitos dos trabalhadores, que são, essencialmente, os mesmos. Para eles Lula, um migrante nordestino pobre e operário, não tem direitos e é culpado do crime imperdoável de lutar para que outros os tenham. O desejo de macular a grandeza de Lula e de seu legado leva os golpistas a um ataque em duas frentes, contra os direitos obtidos pelos trabalhadores e contra Lula pessoalmente, não havendo justeza ou verdade em nenhum dos ataques ambos se valem de um conjunto patético de mentiras para ignorar valores humanos os mais fundamentais e toda a tradição humanista do direito ocidental.
Os historiadores costumam dizer que Clio, a musa da história, é uma matrona ardilosa, uma senhora esperta e cheia de caprichos e armadilhas. Talvez um de seus caprichos tenha sido o de fazer de Lula o maior promotor da justiça para os de baixo e a maior vítima das injustiças dos de cima. Sua dupla singularidade, o único operário que ascendeu ao poder de Estado e o melhor presidente da história do Brasil, que tirou milhões da miséria e construiu uma nação respeitada e poderosa, o tornaram tão grande que para atacá-lo é preciso atacar a própria civilização e todos os direitos de todas as pessoas. Nestas condições históricas a defesa de Lula não é a defesa de um homem, de um símbolo, ou da única liderança popular com chances de interromper o golpe, é antes de qualquer coisa a defesa da própria humanidade contra o crime, a violência e a barbárie. Em Lula, neste momento, encarnam-se, fazem-se carne, os mais altos valores civilizatórios da história da humanidade.
O desejo do consórcio golpista que rapina o país e dá de costas para a opinião popular não é só de liquidar o Brasil e fazê-lo se tornar novamente um imenso canavial na mão de uma dúzia de senhores de engenho, o desejo dele é levar Lula, e todos os trabalhadores do Brasil, em correntes e sob chicote, de volta ao lugar do qual acreditam eles nunca deveriam ter saído, a senzala.
Lutar por Lula é a grande causa de nosso tempo. Se Lula e seu legado sucumbirem diante da ofensiva que está em curso sucumbirão também a lei, a democracia, o estado de direito e parte significativa da própria história. Ou tomamos as ruas, colocamos Lula sobre nossos ombros, e dizemos que basta, que não mais e que eleição sem Lula é golpe ou o futuro que aguarda as gerações que virão é tão sombrio que nem o mais pessimista de nós poderia sonhá-lo.
*Décio Lima é deputado federal pelo PT-SC e líder da Oposição no Congresso Nacional
Foto: Ricardo Stuckert