Em artigo, a deputada Ana Perugini (PT-SP) analisa o drama da falta de água e relata que a Comissão Especial de Crise Hídrica, instalada no ano passado na Câmara dos Deputados, e da qual é integrante, estuda as causas, debate os efeitos e vai apontar medidas que amenizem a falta d’água no país . “Além de economizar água, ampliar nossa capacidade de reservação, reduzir perdas e armazenar mais água de chuva, precisamos democratizar o debate sobre o tema”, recomenda a deputada. Leia a íntegra:
Seca e enchente, o paradoxo que incomoda
E essa água que desabou sobre São Paulo nas últimas semanas de dezembro, encheu rios, alagou ruas e avenidas, invadiu casas, deixou famílias desalojadas, moradores sem água e um rastro de destruição que pesará nos já combalidos cofres municipais?
Em plena tarde de Natal, Campinas registrou 110 milímetros de chuva em apenas uma hora e quarenta minutos, o esperado para 20 dias na cidade. O grande volume de água arrastou carros e destruiu parcialmente uma marginal recém-inaugurada, que consumiu investimento de R$ 8 milhões. Valinhos e Americana, outros municípios da região metropolitana, também tiveram alagamentos na última semana de 2015.
As piores enchentes, porém, ocorreram dois dias depois, provocadas pela cheia do Ribeirão Quilombo. Sessenta famílias foram obrigadas a deixar suas casas em Nova Odessa. Foram 1,5 mil desalojados em Sumaré, onde a chuva ainda inundou uma estação de captação, que parou de funcionar e deixou 51 bairros desabastecidos, durante dois dias.
A falta d’água também atrapalhou a rotina de moradores de Hortolândia. O rompimento de uma tubulação interrompeu o abastecimento em bairros como o Jardim Amanda, além de parte da vizinha Monte Mor. Para garantir o funcionamento de unidades de saúde, a prefeitura disponibilizou caminhões-pipa. Assim como em Sumaré, o abastecimento foi normalizado no penúltimo dia do ano.
Acostumados com as torneiras secas, por conta da crise que atinge duramente o Estado desde 2014, muitos devem ter pensado: “essa chuva não poderia ter se concentrado sobre os secos reservatórios do Cantareira (conjunto de represas interligadas que abastece as regiões metropolitanas de São Paulo e Campinas)?”
Pois é. Esse capricho da natureza evitaria dissabores e garantiria preciosos litros em nossas torneiras. Entretanto, não podemos reclamar de 2015. Afinal, depois de um ano árido, com apenas 973,1 milímetros de chuva sobre o sistema, as represas receberam 1.702,4 mm entre 1º de janeiro e 31 do ano passado, segundo dados da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). A volta aos patamares normais fez com que o sistema repusesse a reserva técnica, o chamado volume morto, e iniciasse 2016 com saldo positivo.
No entanto, apesar da recuperação, precisamos continuar economizando água, como alerta o Consórcio PCJ (associação responsável pela recuperação dos mananciais das bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí): “caso as fortes chuvas se mantenham e as captações de água nos reservatórios sejam feitas com parcimônia, a expectativa é que o Cantareira chegue em abril a 10% de água reservada do seu volume útil. No entanto, nesse mesmo mês, inicia-se o período de estiagem que durará até setembro, no qual as chuvas tendem a ficar mais escassas, o que levará o Cantareira a entrar no volume morto novamente”.
Se voltaremos a captar água do fundo do Cantareira ou não, só o tempo irá dizer. No entanto, há medidas que devemos adotar imediatamente para aumentar a oferta à população. Reduzir o volume de perdas, por exemplo, é uma delas. Em média, os serviços de água desperdiçam 37% do que produzem, de acordo com levantamento divulgado pelo Ministério das Cidades. Na Grande São Paulo, por exemplo, o volume perdido entre as estações de tratamento e as torneiras daria para abastecer mais de seis milhões de pessoas.
Além disso, temos de cuidar desse tesouro, que são nossas nascentes, e produzir água nova. Desde os anos 70, quando o Cantareira represou a água dos rios PCJ para compôr a rede de abastecimento da Grande São Paulo, o Estado não investe em novas fontes de abastecimento. Em 2012, o governo paulista anunciou investimento de R$ 190 milhões na construção de duas novas represas nas bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí – uma no rio Jaguari, em Pedreira, e outra no Camanducaia, em Amparo. A obra, porém, segue no papel e o Palácio dos Bandeirantes evita comentar o assunto.
Se nada podemos fazer para que as chuvas atinjam exclusivamente o Cantareira, temos de encontrar meios de aproveitar melhor essa bênção que cai no nosso quintal. Soluções simples como caixas d’água adicionais e tambores conectados às calhas das residências são ações individuais importantes. Porém, a construção de bacias de retenção nas margens de estradas vicinais, os chamados piscinões, além de auxiliar no combate a enchentes, ajuda a carregar o lençol freático, que, devido à impermeabilidade característica dos centros urbanos e ao número reduzido de árvores, absorve apenas 10% da água da chuva.
Estudar as causas, debater os efeitos e apontar medidas que amenizem a falta d’água no país são os objetivos da Comissão Especial de Crise Hídrica, instalada no ano passado na Câmara dos Deputados e da qual sou integrante. Em dezembro, organizamos uma mesa-redonda que contou com a participação de representantes de órgãos de pesquisa, serviço e regulação, como a Agência Nacional de Águas (ANA), o Consórcio PCJ, o Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente (Gaema), a Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento S/A (Sanasa) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Do encontro, realizado em Campinas, foi elaborado um relatório que aponta medidas necessárias para vencermos a crise em São Paulo. Além de economizar água, ampliar nossa capacidade de reservação, reduzir perdas e armazenar mais água de chuva, precisamos democratizar o debate sobre o tema. Por isso, sugeri a criação de uma frente regional para acompanhar a renovação da licença de uso do Cantareira pela Sabesp, que deve acontecer até maio de 2017, com três anos de atraso, e determinará a quantidade de água que será liberada para os municípios atendidos pelas bacias PCJ por mais dez anos. Já que o Estado tem fugido da discussão, temos de nos mobilizar para garantir nossos direitos.
Lamentamos a seca e rezamos por chuva, mas esquecemos de nos preparar para recebê-la. Outro dia, estava num posto de gasolina, quando flagrei um jovem jogar uma lava vazia de cerveja no chão. Por onde passo, vejo móveis e lixos acumulados em ruas e calçadas. Atos inconsequentes como esses contribuem para o entupimento de bueiros e para o assoreamento de rios e córregos, criando condições para as enchentes.
Sim, há um paradoxo entre sua torneira seca e a casa inundada que você vê pela televisão. E ele só será resolvido com o despertar da cidadania de cada um de nós.
*Ana Perugini é deputada federal pelo PT, integrante das comissões de Educação, Licitações, Minas e Energia e da Crise Hídrica. É também coordenadora das frentes parlamentares em Defesa da Implantação do Plano Nacional de Educação (PNE) e de Promoção e Defesa da Criança e do Adolescente no Estado de São Paulo.
Assessoria Parlamentar