Em artigo, a deputada Ana Perugini (PT-SP) lamenta a cultura do ódio difundida por setores da elite brasileira. Ela cita os ataques a Chico Buarque de Holanda, recentemente agredido. “Nessa mesma nação, humoristas e artistas consagrados, que produzem cultura, compartilham conhecimento e contribuem para o aumento do prestígio do país no exterior, são perseguidos, julgados e atacados por pessoas entorpecidas pela cultura do ódio, que tem sido fomentada por frustrados pela derrota nas urnas e por uma parcela da mídia, que ora flerta com articuladores do golpe, ora evoca o princípio jornalístico da imparcialidade”. Leia a íntegra:
O Natal e o espírito da aceitação das diferenças
Como parlamentar, democrata e municipalista, fico muito feliz quando vejo um grupo de jovens especulando sobre assuntos de relevância, como o futuro do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, num descontraído papo em frente à padaria do bairro onde moro. Ficaria desapontada, no entanto, se tivesse o desprazer de testemunhar um ataque covarde como o sofrido por Chico Buarque de Hollanda.
Se o primeiro exemplo representa o amadurecimento da nossa democracia e o que preconizam a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Constituição Federal de 1988, o segundo mostra como estamos perdendo a noção de civilidade e ignorando princípios básicos para o convívio em sociedade, como mútuo respeito e consideração.
Chico, patrimônio da cultura brasileira, foi cercado e agredido verbalmente por um grupo de manifestantes anti-PT, na saída de um restaurante no Leblon, bairro da zona sul do Rio de Janeiro, onde mora e circula normalmente. Como se a posição política de um dos maiores compositores da nossa música, contrária à deles, lhes desse o direito de abordá-lo em um momento de lazer e constrangê-lo diante de seus amigos.
“Que país é esse em que se ousa atacar, com tamanha agressividade e pobreza de argumentos, um de seus maiores artistas, um homem que ergueu a voz contra a ditadura, por mera divergência ideológica?”, questionaria o poeta Vinícius de Moraes, seu parceiro em composições como “Gente humilde”, “Desalento” e “Samba de Orly”.
Infelizmente, Chico não está sozinho. Vivemos num país em que até a presidenta da República é hostilizada em espaços públicos físicos e virtuais. No pior dos ataques, Dilma foi vaiada e xingada por milhares de pessoas, durante a abertura da segunda Copa do Mundo realizada no Brasil. Ela estava acompanhada da filha Paula, que testemunhou e sofreu calada o constrangimento da mãe. O mundo todo viu. Por incrível que pareça, parte dos brasileiros aprovou. A falta de educação prevaleceu.
“Que povo é esse que não respeita seu próprio presidente?”, deve ter perguntado, indignado, o telespectador croata que viu a derrota do seu país por 3 a 1, naquela tarde de 12 de junho de 2014, na Arena Itaquera, em São Paulo.
Nessa mesma nação, humoristas e artistas consagrados, que produzem cultura, compartilham conhecimento e contribuem para o aumento do prestígio do país no exterior, são perseguidos, julgados e atacados por pessoas entorpecidas pela cultura do ódio, que tem sido fomentada por frustrados pela derrota nas urnas e por uma parcela da mídia, que ora flerta com articuladores do golpe, ora evoca o princípio jornalístico da imparcialidade.
Sob o guarda-chuva da democracia, o ódio desfila, com a mesma desenvoltura, em ambientes analógicos e digitais, na forma de bonecos infláveis caluniosos do presidente Lula e de boatos que saem das redes sociais para semear desconfiança entre as pessoas, estimulando o pessimismo e a intolerância.
Essa onda de ódio é tão intensa quanto passageira. Seus fomentadores alimentam-se da instabilidade político-econômica do país, que tem sido agravada pela incerteza do terceiro turno das eleições do ano passado, aberto à força pela oposição, apesar da vitória legítima e incontestável da presidenta Dilma. Essa crise passará. E com ela irão embora o pessimismo e o espírito golpista que ameaça a ordem constitucional.
Nesse momento, devemos enfrentar o ódio com civilidade e cultura da paz. Afinal, democracia é o espírito da aceitação das diferenças com respeito na busca do que é melhor para a maioria, sem se esquecer da minoria. Isso é irmandade. Discordamos, mas amamos.
Todos os anos, o espírito natalino semeia bondade, generosidade, tolerância, paz e amor em nossos corações. Natal é celebrar o encontro dos valores vividos por Jesus, que pregava o amor ao próximo, a igualdade e a humildade.
Não podemos permitir que o ódio e a intolerância saiam da condição de exceção e virem regra, balizando atos com caráter fascista, que vão na contramão do caminho civilizatório que é a política. Eu acredito que conseguiremos o pleno exercício da democracia, sem radicalismos e atitudes que nos apequenem enquanto povo e nos envergonhem perante outras nações.
Somos, por natureza, um país de diferenças. E isso nunca foi empecilho para o amadurecimento da democracia e para o crescimento da economia. Pelo contrário. O Brasil tem tradição em transformar partes diferentes num todo criativo, inspirador, produtivo e emergente. Apesar de tudo que vivenciamos e do mau exemplo que demos como seres humanos civilizados, como diria Chico Buarque, amanhã há de ser outro dia.
*Ana Perugini é deputada federal pelo PT, integrante das comissões de Educação, Licitações, Minas e Energia e da Crise Hídrica. É também coordenadora das frentes parlamentares em Defesa da Implantação do Plano Nacional de Educação (PNE) e de Promoção e Defesa da Criança e do Adolescente no Estado de São Paulo
Assessoria Parlamentar