A Covid-19 mostra, cada vez mais, ser uma doença que desafia novos conhecimentos para ciência e, com o tempo, amplia os impactos negativos que podem deixar na vida e no organismo dos infectados. Até agora, a pandemia deste vírus traiçoeiro vitimou fatalmente mais de 540 mil brasileiros e contaminou cerca de 20 milhões pessoas.
Um dos diretores do Centro de Controle de Doenças declarou nesta semana que a pandemia “não acaba até que acabe”. Ou seja, ela não vai acabar quando realmente acabar. Ninguém minimamente responsável pode definir data para o fim da pandemia, como muitos já fizeram e erraram.
Estou como deputado federal, mas sou médico e professor universitário e junto com meus alunos atendo em Unidades Básicas de Saúde (UBS) na periferia de São Paulo e Campinas. E temos acompanhado inúmeros pacientes que sobreviveram a Covid-19 mas que ficaram com sequelas da doença.
Os que felizmente não tiveram suas vidas perdidas, podem ficar com sequelas, o que é o caso de milhões de pessoas e as consequências são percebidas logo depois da recuperação e em outros casos, surgem mais claras e evidentes ao longo do tempo.
As sequelas mais comuns são o acometimento pulmonar e os impactos de longas internações na UTI. A grande maioria dos infectados que se recuperam de quadros graves de Covid-19 acabam desenvolvendo por algum período sequelas pulmonares, queixa de fadiga, dificuldades para recuperar o estágio físico, queixas musculares e neurológicas. Ao longo do tempo, também já está sendo observado outros acometimentos: oftalmológicos, neurológicos, cardíacos e tromboses.
O que se sabe é que a grande maioria dos pacientes que tiveram Covid-19 de maneira moderada ou grave desenvolvem algum tipo de sequela. O que se sabe também, é que a imensa maioria dos infectados de maneira moderada ou grave acabam apresentando risco maior de morte por outras infecções depois do período de recuperação. Estão sendo e serão observados cada vez mais novos perfis de sequelas na medida em que as pessoas vão se recuperando, com novos estudos e relatos.
Além disso, há também o relato de sequelas psicológicas, de saúde mental, seja dos recuperados ou das pessoas que perderam fatalmente parentes e amigos por Covid-19.
Um estudo recente mostrou que a Covid-19 deixou mais de 130 mil órfãos. São crianças e adolescentes que perderam seus pais e suas mães, e que necessitam ter assegurado seu direito a proteção social, ofertas educacionais e de saúde, para serem acolhidas e defendidas, mesmo diante de todos os problemas que temos sofrido.
Por isso, propus que o Estado se comprometa em assegurar uma indenização mensal para as crianças órfãs da pandemia. Medida similar foi assegurada recentemente pelos governadores nordestinos que criaram o projeto “Nordeste que Acolhe”, que consiste em um repasse mensal de R$ 500 por criança órfã.
As comunidades escolares de hoje são diferentes das comunidades escolares de antes da pandemia. Perdemos professores, pais, alunos, trabalhadores da educação e familiares. A escola precisa ser um espaço de acolhimento, de construção de convivência e segurança para todos e todas.
Precisamos construir políticas públicas que tenham um olhar integral, na oferta de assistência à saúde, psicológica, médica, fisioterápica para permitir a cada um desses brasileiros vida digna.
Propus um Projeto de Lei no Congresso Nacional que institui a Política de Atenção Integral às vítimas e familiares de vítimas da pandemia da Covid-19, que tem por objetivo assegurar às vitimas a plena recuperação das sequelas físicas e dos impactos sociais por elas desenvolvidas.
O que também preocupa é o fato do número de casos de transmissão e lotação de leitos de UTI nos hospitais ter represado os demais tratamentos de problemas de saúde das pessoas e o adiamento de cirurgias que não são emergenciais.
Essa é a sequela do SUS, que afeta a saúde de todos os brasileiros: o fato de milhares de pessoas estarem com seus tratamentos de saúde suspensos. A rede do SUS – atenção primária e especializada – foi desestruturada porque os atendimentos foram focados na Covid-19. Além disso, o SUS perdeu muitos trabalhadores da saúde experientes, seja que perderam suas vidas ou ficaram com sequelas que os impedem de retornem ao trabalho nos serviços de saúde.
Pensando nisso, aprovamos o Projeto de Lei 14128/21 de minha autoria que garante indenização aos familiares dos trabalhadores da saúde em caso de morte no enfrentamento à pandemia.
A pandemia não se encerrará com a redução dos casos confirmados ou das mortes. Ela continuará e seus efeitos serão duradouros. Para enfrentar esses impactos, necessitamos de políticas públicas que enxerguem o brasileiro como cidadão de direitos, e não apenas como números e custos.
*Alexandre Padilha, deputado federal (PT-SP). Ex-ministro da Saúde
Publicado originalmente no Estado de São Paulo