(*) Lindbergh Farias e Marcelo Zero
Em algum momento, o Brasil terá de escolher entre seus interesses e os interesses de déspotas digitais como Elon Musk;
Os golpistas do Brasil, mesmo depois de todas as provas robustas colhidas nos inquéritos, inclusive os depoimentos demolidores dos ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica, estão tentando inverter o jogo. Querem se fazer de vítimas e voltar à suja agenda golpista.
Com efeito, os rescaldos do 8 de janeiro de 2023 ainda nem esfriaram e a chama desavergonhada do golpismo já se reacendeu no Brasil.
Dessa vez, contudo, os principais movimentos contra as instituições democráticas do Brasil vêm de fora. Mais especificamente de Elon Musk e da sua rede X.
Como sempre, a extrema-direita mundial, da qual Musk é forte articulador, confunde propositalmente “liberdade de expressão” com uma espécie de “carta-branca” para se disseminar mentiras e discurso de ódio, bem como para se cometer crimes e não se respeitar a justiça e a soberania dos países.
No caso recente, Elon Musk afirmou que o ministro Alexandre de Moraes é um “ditador brutal”, que teria agido nas eleições para favorecer Lula e que, portanto, teria o presidente na “coleira”.
Também afirmou que há “grande censura” no Brasil e que não respeitaria as decisões da justiça brasileira.
Como se sabe, a Justiça Eleitoral determinou a exclusão de posts que continham notícias falsas contra as urnas eletrônicas ou fake news contra adversários políticos. Da mesma forma, o ministro Alexandre de Moraes determinou a suspensão de contas nas redes sociais de políticos e influenciadores investigados por ataques à democracia e tentativa de golpe de Estado.
Ao agir dessa maneira, a Justiça Eleitoral do Brasil e o Supremo Tribunal Federal nada mais estão fazendo que seguir a Constituição e as leis do país, que punem aqueles que atacam a democracia e suas instituições.
De qualquer modo, os que eventualmente discordam de decisões judiciais, não podem, sob as regras da lei, proferir ataques contra ministros do STF e instituições da justiça do Brasil, muito menos afirmar que não pretendem cumpri-las.
Respeitar a Constituição
Por óbvio, uma empresa estrangeira que opere no Brasil tem de seguir a Constituição, as leis e as normas que vigoram em nosso território. Ademais, uma empresa estrangeira não pode se imiscuir nos assuntos internos do Brasil e atacar suas autoridades. Outrossim, uma empresa que controla uma rede social tão importante como o X teria de zelar para que ela não servisse de plataforma para fake news e ataques à democracia e à justiça, o que, de fato, não acontece.
O bilionário estadunidense Elon Musk, que não conhece nada do Brasil e do seu sistema judiciário, parece acreditar que o nosso país é uma terra sem leis e regras, uma espécie de “republiqueta de bananas”, na qual ele pode impor, sem nenhum constrangimento legal, seu poderio econômico, sua influência e sua agenda política, bem como atropelar decisões judiciais. É provável que julgue que possa até apoiar golpes de Estado.
Saliente-se que, em 2020, quando o governo eleito de Evo Morales foi derrubado, Elon Musk afirmou que havia apoiado o golpe para garantir o suprimento de lítio, material usado na bateria dos carros elétricos da Tesla, sua fábrica de automóveis.
“Vamos dar um golpe em quem quisermos! Lide com isso”, escreveu então Elon Musk, em resposta a um seguidor, que havia realizado um post dizendo que o governo norte-americano tinha organizado um golpe para depor Evo Morales e, dessa forma, facilitar à Tesla obter lítio daquele país sul-americano.
Indubitavelmente, as declarações criminosas de Elon Musk demonstram total desprezo pelo Brasil, suas instituições e sua democracia, e atingem frontalmente nossa soberania.
Mas é mais do que isso. Trata-se de uma agenda, articulada com agentes internos, para tentar desestabilizar, de novo, as instituições democráticas do Brasil, e substituir o governo legitimamente eleito. Bolsonaristas e aliados, nacionais e internacionais, não se conformam com o fracasso do golpe e, agora, voltam à carga contra a democracia do Brasil e contra as principais autoridades que a defendem.
Lembre-se que o golpe analógico do 8 de janeiro de 2023 tinha, como um dos grandes objetivos imediatos, prender o ministro Alexandre de Moraes. Agora, o golpe digital do X de Elon Musk quer que o Brasil se livre do ministro. Coincidência?
Há pouco, Eduardo Bolsonaro e uma comissão de parlamentares brasileiros estiveram no EUA para tentar participar de audiência programada no Congresso americano, promovida pela Comissão de Direitos Humanos.
Bolsonaro e os demais tentavam “denunciar” o Brasil por ser uma “ditadura” e, com isso, obter, em última instância, “sanções econômicas e comerciais” contra nosso país.
Entretanto, o parlamentar norte-americano Jim McGovern, democrata e presidente da comissão, vetou a palhaçada, ao perceber as intenções antidemocráticas de Eduardo Bolsonaro.
Não obstante, as iniciativas golpistas continuarão.
Há muitos interesses em jogo. A extrema-direita e seus aliados internacionais e nacionais querem um governo mais submisso ao capital financeiro e às Bigh Techs e com uma política externa totalmente alinhada aos EUA e aliados.
O Brasil de Lula é uma voz independente, no quadro da geopolítica da nova Guerra Fria. A guerra híbrida contra o governo progressista do Brasil e a democracia do país está, assim, a todo vapor. Para complicar ainda mais o quadro, o Brasil descobriu outro pré-sal na Margem Equatorial.
As Bigh Techs, que hoje dominam as comunicações digitais e as redes sociais, se constituem em uma das principais ameaças às democracias do planeta. Querem continuar, com seus algoritmos opacos, a dominar as comunicações mundiais; e são totalmente refratárias a uma regulamentação democrática de suas sombrias e lucrativas operações.
Em algum momento, o Brasil terá de escolher entre seus interesses e os interesses de sua democracia e os interesses de déspotas digitais como Elon Musk.
Quem ficar ao lado de Elon Musk será traidor da pátria.
(*) Lindbergh Farias é deputado federal pelo PT do Rio de Janeiro e vice-líder da Maioria na Câmara; Marcelo Zero é Sociólogo e especialista em relações internacionais
Artigo publicado originalmente na Revista Carta Capital