(*) Joseildo Ramos
(*) Renata Furigo
(*) Léo Heller –
O agravamento das condições socioeconômicas, sanitárias e de moradia de grande parte da população brasileira, em razão da pandemia de Covid-19, dos erros e omissões dos golpistas e do governo Bolsonaro, aliado ao aumento da participação de concessionárias privadas na prestação dos serviços públicos de água e esgoto promovido pela Lei 14.026/2020, torna ainda mais urgente a promoção efetiva dos direitos fundamentais à água potável e ao esgotamento sanitário, em especial para a população em situação de vulnerabilidade.
Assim, é premente a inclusão desses direitos na legislação brasileira, em especial na Constituição Federal e nas diretrizes nacionais para o saneamento básico, prevendo dispositivos que materializem, na oferta desses serviços, os direitos fundamentais à água potável e ao esgotamento sanitário nos termos da Resolução 64/292, de 2010, da Assembleia Geral da ONU.
Essa incorporação traduz obrigações do estado brasileiro perante o direito internacional, à luz de instrumentos normativos vinculantes ratificados pelo país, como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
A Resolução 64/292 da ONU, ao estabelecer que os direitos à água e ao saneamento são derivados do direito à vida, vincula o Brasil, na qualidade de detentor de obrigações, ao cumprimento desses direitos humanos, resultando no dever do país de refletir em sua legislação e em suas políticas públicas seus princípios e conteúdo.
Essas obrigações vinculam não apenas a União, mas também os demais níveis federativos do país -estados e municípios- no apoio aos seus habitantes, em especial os marginalizados e demais populações em situação de vulnerabilidade, na reivindicação de seus direitos junto ao sistema judiciário e mediante a implementação das políticas públicas.
Portanto, espera-se que o Congresso Nacional cumpra seu papel, alterando a legislação e aprovando emendas às diretrizes nacionais para o saneamento básico, com a inclusão dos Direitos Humanos à Água e ao Esgotamento Sanitário e dando ênfase à acessibilidade física e econômica aos serviços para a população pobre, urbana e rural, a participação e o controle social e a transparência. Isso significa, por exemplo, estabelecer em lei o direito de qualquer um ter assegurado:
– em qualquer situação, o volume mínimo de água necessário à preservação das condições de saúde e higiene das suas famílias, em especial àqueles em situação de inadimplência por falta de condições econômicas;
– em situações de escassez, a igualdade no acesso à água das populações submetidas ao racionamento ou rodízio do abastecimento;
Para as famílias inscritas no Cadastro Único dos Programas Sociais e com membros recebendo Benefício de Prestação Continuada, portanto em situação de vulnerabilidade, é indispensável assegurar tarifa social de água e esgoto de forma automática, além da dispensa de pagamento pelas ligações de água e de esgoto dos domicílios.
Os direitos à água e ao esgotamento sanitário estendem-se à população que transita e trabalha nos logradouros públicos bem como àquela que está vivendo em situação de rua. Logo, é preciso prever nos espaços públicos a disponibilidade de água para consumo e higiene pessoal e bem como de sanitários por meio de bebedouros e banheiros públicos.
É urgente ainda resgatar os direitos à água e ao esgotamento sanitário da população rural, das águas e das florestas, priorizando a execução do Programa Nacional de Saneamento Rural, e disponibilizando água para as populações rurais do semiárido por meio da retomada e ampliação do Programa Cisternas e pelo abastecimento emergencial, sempre que necessário.
Em 2022, movimentos sociais, partidos de esquerda e várias comissões permanentes da Casa, realizaram uma audiência pública no auditório Nereu Ramos para debater o tema e, ao final, apresentaram uma proposta que originou o PL 1922/2022, que assegura o direito à água potável e ao esgotamento sanitário como direitos humanos.
A consecução dessas medidas em todo o território nacional deve ser prioridade de todos os três níveis de governo, com especial responsabilidade dos prestadores de serviços públicos de água e esgoto e das agências que têm por função regular a prestação de tais serviços. O projeto de lei pode e deve inspirar o aperfeiçoamento das legislações estaduais e municipais, das normativas dos titulares dos serviços públicos de saneamento básico e das respectivas normas de regulação.
Joseildo Ramos é deputado federal (PT-BA), ex-prefeito de Alagoinhas (BA), engenheiro agrônomo.
Renata Furigo é coordenadora do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento, engenheira civil e doutora em Urbanismo.
Léo Heller, pesquisador do Centro René Rachou (Fiocruz- MG), engenheiro civil, doutor em Epidemiologia.