Alguns querem nos convencer que, com o avanço do agronegócio, a democratização das terras no Brasil não é importante. Respondo a isso dizendo que nunca a reforma agrária foi tão necessária. O agronegócio, como modelo de desenvolvimento para o campo, não é capaz de alimentar o povo brasileiro e nem de garantir a qualidade do que produz. Por causa desse modelo, o Brasil é campeão de consumo de venenos agrícolas, cuja importação saltou de US$ 259 milhões no ano 2000 para US$ 2,2 bilhões em 2012. É o agronegócio também que está no topo da lista suja do trabalho escravo.
O IBGE nos mostra que a necessidade de importação elevou os custos dos alimentos, que têm seus preços balizados pelas variações do dólar. Só em outubro, foi uma alta de 1,03%. Dados da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra) mostram que, de 1990 para 2011, as áreas plantadas com alimentos básicos como o arroz, feijão, mandioca e trigo declinaram, respectivamente, 31%, 26%, 11% e 35%. As de produtos nobres do agronegócio exportador, como a cana de açúcar e a soja, aumentaram 122% e 107%.
Por outro lado, Abra e IBGE dizem que mais de 70% dos alimentos consumidos pela população brasileira vêm da agricultura familiar. É também mérito da agricultura familiar a absorção de 74% da mão de obra empregada. No entanto, esses agricultores ocupam somente 24% das terras agricultáveis no Brasil e recebem apenas 14% dos créditos disponíveis, o que revela um contrassenso de prioridades.
Se quisermos uma sociedade que prime pelos direitos básicos, como saúde, alimentação, segurança alimentar e nutricional, a solução está na democratização da terra. O governo traz para o debate e para a ação dos órgãos responsáveis a necessidade do desenvolvimento dos assentamentos instituídos, com a qualificação de ações como o Luz Para Todos, crédito para produção, assistência técnica. No entanto, precisamos ter em mente que reforma agrária é, prioritariamente, a democratização da propriedade da terra, ou seja, trabalhar para a desconcentração fundiária no Brasil, cujo índice de Gini de mais de 0,85 é equiparado ao período da ditadura militar.
A concentração significa fome e a exclusão de mais de 3,8 milhões de camponeses de qualquer política pública estruturante, cuja consequência de curto prazo é o êxodo, inchando, desta forma, as periferias das grandes cidades. Hoje, são, pelo menos, 150 mil famílias acampadas em todo o Brasil, muitas delas há mais de dez anos na luta e resistência para o acesso ao meio de produção, a terra.
A distribuição da terra é urgente não só no aspecto socioeconômico, mas também diante do princípio da democracia. Os dados não deixam nenhuma margem para dúvidas. O caminho para o desenvolvimento sustentável, inclusivo e viável para a sociedade brasileira passa, necessariamente, pela reforma agrária.
Valmir Assunção é deputado federal (PT-BA)
Publicado originalmente no jornal “O Globo” de 2 de janeiro de 2014