A INVERSÃO – Aloizio Mercadante *

mercadante1De acordo com os geofísicos, o campo magnético da Terra não é fixo, como poderia se pensar. A cada 250 mil anos, em média, ele se inverte: o Norte vira Sul e o Sul vira Norte. E quando teremos a próxima? Conforme alguns cientistas, em breve, em termos geológicos. Desde 1830, o campo magnético do nosso planeta reduziu-se em 10%. Este seria um sinal de que a inversão já começou.
Seria surpreendente ver as todas as bússolas apontando para o Sul. Porém, mais surpreendente ainda é ver o Sul geopolítico e geoeconômico ocupando, cada vez mais, o lugar de estabilidade e prosperidade que antes estava exclusivamente reservado ao Norte desenvolvido.

Com efeito, é no mínimo curioso observar que, nesta grande crise internacional, os papéis estão invertidos. Enquanto as grandes economias industrializadas, como as dos EUA, Japão e União Europeia, foram e continuam sendo profundamente afetadas pela crise, algumas economias emergentes, como a do Brasil, passam por ela com relativo desembaraço.

Ultimamente, esse notável contraste se intensificou. A Grécia, com um déficit fiscal de 13,6% do PIB e uma dívida de 115,1% do PIB, vive uma verdadeira tragédia, que poderia ter sido escrita por Sófocles. Como nos dramas clássicos, a Grécia parece estar sendo castigada pelos deuses. Neste caso, pelos deuses do mercado financeiro, que antes, quando a República Helênica entrou na Zona do Euro, emprestaram dinheiro com facilidades, e, agora, na crise, secaram o crédito e exigem o sacrifício de toda a população. Como fizeram com a América Latina, na crise da dívida externa. Saliente-se, que, antes da crise, em 2007, o déficit grego era da ordem de 5,1 % do PIB. Na realidade, todos os países europeus em dificuldades tiveram os seus déficits fiscais multiplicados pela crise causada pela desregulamentação do sistema financeiro mundial. Vão pagar pela “exuberância irracional”.

Portugal, que já amarga uma dívida de 76,8% do PIB, também parece prestes a cantar um triste fado. A Espanha não vai bem das pernas; já botou as barbas de molho e reduziu os salários do funcionalismo em 5%. A Islândia, muito vinculada à economia europeia, já havia entrado em total colapso no ano passado. Nesse quadro, a União Europeia foi obrigada a anunciar um novo pacote de 750 bilhões de euros para aplacar a fúria especulativa das divindades da banca e impedir o contágio de todo o mercado comum. Ao todo, já foram comprometidos, entre estímulos ficais e financeiros, quase US$ 3 trilhões, desde o início da crise. Trata-se de um esqueleto financeiro que vai reduzir o crescimento da UE durante alguns anos. O Japão e os EUA, embora em melhor situação, continuam patinando, numa retomada que será, sem dúvida, lenta e penosa. O mal-estar social já se instalou e os conflitos, principalmente na Europa, serão intensos.

Em contrapartida, a economia brasileira demonstra notável solidez e incrível dinamismo. Prevê-se que, neste ano, cresceremos em torno de 6%, num forte contraste com o baixo crescimento que se espera das grandes economias desenvolvidas. A produção industrial já registrou alta de 18,1 %, no primeiro trimestre do ano. Os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED-MTb) também demonstram uma grande geração de postos de trabalho formais (657 mil, nos primeiros três meses de 2010). A taxa de desemprego das grandes regiões metropolitanas foi, em março, a menor de toda a série histórica do IBGE (7,1%). As vendas do varejo ampliado aumentaram ao redor de 20%, neste primeiro trimestre, em relação ao mesmo período do ano passado.

Trata-se de um grande contraste, não apenas com as economias desenvolvidas, mas também com nosso passado relativamente recente. Com efeito, na década de 90 e no início desta primeira década, passamos por várias crises que, embora não fossem nem de longe tão graves quanto a presente, comprometeram nosso desenvolvimento econômico e social.

Mas o Brasil tem hoje essa relativa tranquilidade porque se preparou. O governo Lula conseguiu superar a histórica vulnerabilidade externa da nossa economia, que tanto nos afetava. Acumulamos, graças a uma política externa criativa e ousada, grandes reservas (US$ 250 bilhões) que nos permitem pagar toda a nossa dívida externa. De devedores do FMI, com todas as conseqüências que isso implicava, passamos à condição de credores desse organismo internacional. Nos últimos anos, crescemos distribuindo renda. Retiramos 21 milhões de pessoas da pobreza e dinamizamos o nosso mercado interno de consumo de massa. Já não dependemos tanto de recursos externos, como acontecia no governo passado.Também tivemos êxito na redução da dívida pública interna, sem ter recorrido ao aumento da carga tributária. Tudo isso fez que o Brasil entrasse depois e saísse antes da crise.

As perspectivas que se colocam ao país, neste cenário pós-crise, são muito boas. Temos imenso potencial na área agrícola, para aplacar a fome da Ásia que se desenvolve se urbaniza, e no campo das energias renováveis, estratégicas neste século que terá de fazer a necessária transição para uma economia “descarbonizada”.Temos também uma indústria diversificada, que pode crescer e se consolidar, se investirmos no seu adensamento tecnológico. Os imensos recursos do Pré-Sal poderão, se bem geridos e aplicados, contribuir à superação dos gargalos educacionais, tecnológicos e de infraestrutura que ainda temos para crescer aceleradamente e de forma sustentada por muitos anos.

A hora do Brasil é agora. O Brasil é a “bola da vez”, não para sofrer um ataque especulativo, mas para “decolar”, como disse a The Economist , e se destacar cada vez mais no cenário mundial. Neste ano, já superamos os EUA e nos tornamos o quinto maior produtor mundial de automóveis. Os espaços estão se abrindo e precisamos ocupá-los rapidamente.

Mas, para isso, é imprescindível também que o país continue a apostar no Mercosul, na integração regional e na cooperação Sul-Sul. Com efeito, no período 2000-2008, os países em desenvolvimento contribuíram com 75,9% do crescimento mundial, ao passo que os países desenvolvidos contribuíram com apenas 24, 1%. Os números das últimas três décadas do século passado eram bem diferentes. Naquela época, os poucos países desenvolvidos contribuíam com mais da metade do crescimento internacional. O mundo mudou. Há uma nova geoeconomia em gestação. Gestação essa que vem sendo acelerada pela crise. O eixo dinâmico da economia mundial está se deslocando cada vez mais para o Sul geopolítico. A nossa diplomacia, de forma racional e pragmática, percebeu tal mudança e apontou a bússola da política externa brasileira para esse Sul dinâmico, sem ter desprezado o Norte em fase de desaceleração.

Se continuarmos nesse rumo, temos muito a lucrar. Somos, ao mesmo tempo, grandes beneficiários e partícipes dessa mudança geoeconômica. Lamentavelmente, há gente que pensa diferente. Tem gente que acha que o campo magnético é fixo e que as bússolas continuarão a apontar sempre para o Norte. É gente desnorteada. Literalmente.

(*) Senador (PT-SP) e pré-candidato do partido ao governo de São Paulo

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