A importância da federalização do caso Manoel Mattos – Paulo Vannuchi (*)

Manoel-MattosA inédita decisão do Supremo Tribunal da Justiça (STJ) de federalizar a investigação sobre o assassinato do advogado e defensor dos direitos humanos Manoel Mattos representa um avanço para as instituições brasileiras.
A aplicação do Incidente de Deslocamento de Competência (IDC), pela primeira vez desde sua criação em 2004, encoraja a firme atuação dos 27 Estados na investigação de graves violações de direitos humanos, sob o risco do deslocamento de competências, ao mesmo tempo em que aumenta a responsabilidade das instâncias federais para o efetivo combate à impunidade.

Manoel Mattos foi assassinado em janeiro de 2009, vítima de grupos de extermínio que atuam na divisa entre Paraíba e Pernambuco (entre as cidades Pedra de Fogo e Itambé). Formados por seguranças particulares e agentes do Sistema Público de Segurança, esses grupos atuam confiando na impunidade. Segundo o relatório da CPI sobre grupos de extermínio na região Nordeste, em dez anos, mais de 200 execuções sumárias foram praticadas na região. Ninguém foi condenado e os
inquéritos estão paralisados.

Por sua combativa militância ao denunciar a atuação dos grupos de extermínio, Mattos recebia graves ameaças. Seu caso passou a receber atenção especial da comunidade internacional em 2002, com a concessão de medidas cautelares pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a fim de que sua vida fosse resguardada e as ameaças investigadas. Reuniu-se também com a relatora especial da ONU para execuções sumárias, arbitrárias e extrajudiciais, Asma Jahangir, cujo
relatório em 2004 determinou a proteção dos defensores ameaçados de morte no Brasil. Mattos esteve sob proteção policial durante um longo período, mas sua morte mostra que o Estado brasileiro não conseguiu cumprir as recomendações nternacionais.

Introduzido pela Emenda Constitucional nº 45, que trata da reforma do judiciário, o IDC fundamenta-se em três argumentos: ocorrência de grave violação de direitos humanos, risco de responsabilização internacional pelo descumprimento de obrigações assumidas em tratados da ONU e da OEA, e incapacidade das instâncias locais em vencer a impunidade. Como a justiça federal é mais distanciada do contexto político local, a federalização funciona como um mecanismo de efeito
exemplar para os judiciários estaduais, que às vezes demoram mais de 10 anos para julgar os crimes. Vale lembrar, entre eles, o caso do massacre do Carandiru em São Paulo, ocorrido em 1992 com a morte de 111 presos. Até hoje ninguém foi responsabilizado.

A federalização credencia o Brasil nos sistemas internacionais de proteção aos direitos humanos, por aperfeiçoar a sistemática de responsabilidade nacional e internacional. Ao mesmo tempo, cumpre o compromisso que compete à própria justiça brasileira de levar adiante o processo judicial e, havendo provas e condições, condenar os culpados.

A decisão do STJ coincidiu com outra boa notícia na área da proteção aos defensores dos direitos humanos: a realização do primeiro curso de formação de membros da força nacional para trabalhar exclusivamente na proteção a estes defensores. A primeira turma formada foi fruto de uma parceria do governo federal com a PM do Distrito Federal.

Esta união de forças irá certamente contribuir para que outros Manoel Mattos, Dorothy Stang e Chico Mendes não paguem com suas vidas por se dedicarem à promoção e defesa dos direitos humanos.

(*) Paulo Vannuchi é ministro de Estado – chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República

(Artigo publicado originalmente no Jornal o Commércio em 16-11-2010)

 

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