A Cara do Golpe, Capítulo 2: O ecossistema de desinformação

O bolsonarismo organizou um ecossistema de desinformação que atua há anos no Brasil e resultou no 8 de Janeiro;

Em 8 de janeiro de 2023, milhares de bolsonaristas que estavam acampados em frente ao Quartel General do Exército em Brasília partiram a pé rumo à Praça dos Três Poderes. Lá, invadiram o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, causando uma destruição cujas imagens correram o mundo.

O objetivo — viável ou não — era claro: iniciar um golpe e impedir que Lula, presidente eleito democraticamente em 30 de outubro de 2022, governasse o país. Além das cenas de violência assustadoras, o que mais impressiona é perceber que aquelas pessoas se julgavam com a razão. O que leva a uma pergunta crucial: como essa massa de golpistas se formou no Brasil?

A resposta, hoje, está mais que clara. Essa massa é resultado de um verdadeiro ecossistema de desinformação criado para contaminar o debate público, manipulando a opinião popular por meio de narrativas falsas que se espalham especialmente via internet.

É uma estratégia que dá enorme poder político e eleitoral a quem fabrica as narrativas. E é por isso que a extrema direita mundial, representada no Brasil por Jair Bolsonaro e seus mentores e financiadores, fez da desinformação sua principal ferramenta de disputa política.

Como funciona

Aproveitando a imensa capacidade das redes sociais de fazer com que determinado conteúdo chegue a milhões de pessoas quase imediatamente, essa rede bolsonarista espalha rumores, boatos, discursos de ódio, teorias conspiratórias, informações confusas e campanhas contra reputações.

Embora muito importantes, as fake news não são as únicas ferramentas. Interpretações distorcidas de notícias verdadeiras, artigos e entrevistas de especialistas aliados e declarações cuidadosamente pensadas para gerar determinados efeitos também são utilizados.

Não se trata, portanto, de atuações individuais e espontâneas, mas de uma ação coordenada e permanente. Os envolvidos usam suas redes sociais para produzir e compartilhar seus conteúdos, aproveitando-se da credibilidade que conquistaram junto a seus seguidores.

Tal credibilidade é ampliada pelo fato de muitos ocuparem cargos públicos, de alguns se apresentarem como canais de notícias isentos e também por eles sempre compartilharem ou recomendarem os conteúdos uns dos outros.

Dessa forma, uma vez publicada uma informação falsa, a base fiel de seguidores, induzida a crer naquilo como verdade, passa a funcionar como uma caixa de ressonância daquela mentira. Esses seguidores a reproduzem em seus círculos sociais e, pior, formam sua opinião a partir dela.

Atuação permanente

Esse ecossistema foi usado para eleger Jair Bolsonaro em 2018. Depois, instalou-se no coração do Planalto na forma de um Gabinete do Ódio e serviu a vários outros propósitos, como atacar a reputação de adversários políticos e até mesmo jornalistas, sabotar o enfrentamento à pandemia de Covid-19, aprovar leis que aumentaram a circulação de armas de fogo no Brasil e, por fim, tentar reeleger Bolsonaro espalhando mentiras sobre Lula e o PT.

Só nas eleições de 2022, a Coligação Brasil da Esperança atuou em 136 ações que denunciaram no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fake news e fraudes eleitorais praticadas por Jair Bolsonaro e seus cúmplices.

De tanto lidar com essas mentiras, a coligação conseguiu identificar 47 pessoas e mais de 30 perfis ou canais em redes sociais que estavam associados nesse ecossistema de desinformação, denunciado em uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) (baixe aqui o documento).

O grupo reunia, então, além de Bolsonaro e seu candidato a vice, general Braga Netto, parlamentares como Bia Kicis, Carla Zambelli, Luiz Philippe de Orléans e Bragança, Nikolas Ferreira e Ricardo Salles, youtubers como Kim Paim, empresários como Otávio Fakhoury e, claro, os filhos do ex-presidente, com destaque para Carlos Bolsonaro, figura central do esquema, por contar com o maior nível de interação entre os perfis investigados.

Não é difícil concluir – e a CPMI do Golpe certamente ajudará a provar – que esse mesmo ecossistema serviu para preparar o 8 de janeiro. Se, naquele dia, havia tantas pessoas dispostas a atacar a democracia é porque há tempos elas vinham sendo convencidas de que a eleição de 2022 havia sido fraudada pelo próprio sistema de Justiça. Não por acaso, foi a sede do Supremo Tribunal Federal a mais vandalizada durante o ataque golpista.

Os terroristas também estavam convencidos de que, diante de uma crise entre os Três Poderes, caberia às Forças Armadas atuar como uma espécie de poder moderador. E eles acreditavam que, ao criar o caos, a decretação da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) seria inevitável e faria com que os militares assumissem o controle do país.

Toda essa narrativa fraudulenta estava presente na audiência pública realizada no Senado em 30 de novembro, que serviu para acelerar a escalada golpista nas ruas de Brasília. Sem essas mentiras, o 8 de Janeiro não existiria.

E mais: esse ecossistema de desinformação só existe porque é financiado e alimentado por seus atores. Por isso, não basta punir as pessoas que participaram diretamente dos atentados aos Três Poderes. Pelo bem da democracia brasileira, é preciso apontar e levar a julgamento os financiadores e estimuladores do golpe frustrado.

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