Em artigo, o deputado Chico D’Angelo (PT-RJ), integrante da Comissão de Cultura da Câmara, defende prioridade para o setor. “O Brasil precisa ampliar as discussões sobre a cultura, em vez de abandoná-las. A desidratação que a gestão pública do setor vem sofrendo inibe a consolidação de mecanismos de mapeamento contínuo da economia da cultura, capazes de garantir o acesso da população aos bens culturais”. Leia a íntegra:
Prioridade para a cultura
A resistência ao desmonte da cultura em cenário de crise não se dá por acaso. Mesmo num contexto em que o atual governo trabalha pela extinção de uma série de políticas e pilares que sustentam a cultura brasileira, os atos em defesa desta são vistos com desdém. É muito comum que, em situações adversas, generalize-se a opinião de que políticas públicas para a cultura não devem ser prioritárias. Combater essa generalização equivocada é urgente.
O Brasil precisa ampliar as discussões sobre a cultura, em vez de abandoná-las. A desidratação que a gestão pública do setor vem sofrendo inibe a consolidação de mecanismos de mapeamento contínuo da economia da cultura, capazes de garantir o acesso da população aos bens culturais.
Não custa lembrar que a ideia original do governo Temer era extinguir o MinC, fato que só não ocorreu em virtude da reação da sociedade. Por todo o Brasil, usando a crise econômica como bode expiatório, assistimos ao desmantelamento de políticas públicas culturais.
Quando o Estado deixa de atuar na área cultural, delegando exclusivamente ao mercado esta função, o que vemos é a impossibilidade de se construir um país que não seja fundamentado na sanha acumulativa, na manutenção de privilégios, na precarização do trabalho e no esfacelamento de seus saberes. É sentença de morte para um projeto de um país culturalmente potente e socialmente justo.
Aqueles que criticam qualquer apoio a atividades culturais em tempos de crise parecem ignorar que a economia criativa é importantíssima em conjunturas desfavoráveis.
A título de exemplo, lembro que, desde o final do século XX, o Reino Unido passou a considerar o campo da cultura como estratégico e articulado ao do desenvolvimento econômico. Em 2010, os britânicos anunciaram o New Deal of the Mind, um plano para diminuir o desemprego em diversos setores da economia a partir de investimentos e abertura de postos de trabalho no setor criativo.
No Brasil, a área do audiovisual é exemplo de que o investimento em cultura é uma das saídas da crise. Desde a implementação da Lei do Audiovisual, em 1993, e do Fundo Setorial do Audiovisual, em 2007, esse setor criativo tem crescido ininterruptamente e, no ano passado, auge da crise econômica, o país produziu cerca de 150 filmes longas-metragens, com relevância artística e gerando mais de 250 mil empregos. Isso demonstra que os mecanismos de apoio à arte e à cultura devem ser preservados porque a sua continuidade oferece retorno para a sociedade.
Lembro, por fim, da lição de Celso Furtado, que, além de ter sido um dos nossos mais relevantes economistas, foi ministro da Cultura e, também, um pensador preocupado com as coisas da cultura brasileira. O mestre definiu, em sentença, o papel que o Estado deveria ter em relação à cultura no Brasil:
“A sociedade é que produz cultura. O Estado não pode produzi-la, nem substituir a sociedade nesta tarefa. Mas ao Estado cabe papel de animador; de difusor e promotor da democratização dos bens culturais.”
Lutemos, em tempos difíceis, para que esta dimensão não seja perdida.
Chico D’Angelo é deputado federal (PT-RJ)