Presidente da comissão especial que debateu e aprovou o Estatuto da Igualdade Racial, o deputado Carlos Santana (PT-RJ) afirmou, em entrevista ao Jornal da Câmara, que a aprovação representa o reconhecimento de que não há igualdade racial no Brasil, “o que sempre foi negado”.
Segundo informou o parlamentar, foram necessárias mais de 40 reuniões na comissão especial em que foram ouvidas cerca de 200 entidades para que se chegasse ao consenso que permitiu a aprovação da matéria por unanimidade.
Como surgiu a ideia de elaborar um Estatuto da Igualdade Racial?
Da luta dos negros e negras, com a solidariedade dos brancos e de todas as etnias. Ele é o resultado também da luta iniciada há 350 anos com a indignação de nossos antepassados. Mais recente, ele é consequência de uma luta de mais de dez anos no Poder Legislativo. A versão aprovada na Câmara é a que foi aprovada pelo Senado e modificou alguns itens do texto que os deputados haviam aprovado em 2002.
O que garante o Estatuto?
O projeto original (PL 3198/00) é do ex-deputado e atual senador Paulo Paim (PT-RS), que foi concebido para garantir direitos essenciais à população negra brasileira em sua totalidade. O texto, que tem caráter compensatório e sobretudo reparatório, impõe normas com finalidade de combater a discriminação racial incidente sobre a população negra, com a implementação de políticas públicas pelo Estado.
Como foi o processo para aprovação da matéria?
Foram várias fases, mas quero destacar a importância da II Conferência Nacional da Igualdade Racial, ocorrida dos dias 25 a 28 de junho em Brasília. No evento, ficou definida como prioridade a urgência da votação do Estatuto da Igualdade Racial.
O que o senhor como mais mais positivo no Estatuto?
O primeiro ponto é que ele permitirá a inclusão de 90 milhões de brasileiros e brasileiras que vivem num processo de apartheid e exclusão brutal. Ele também fará com que, após 121 anos de abolição da escravatura, os negros deixem de ser apenas dois artigos na Lei Áurea. A garantia à saúde é fudamental, porque nós negros temos doenças que são específicas da população afrodescendente, como a anemia falciforme que agora vai ter uma política de tratamento especial no Sistema Único de Saúde.
Qual foi a maior controvérsia na discussão do Estatuto?
Houve muitas questões que acirraram os debates, mas a maior controvérsia questionada durante as reuniões foi quanto à posse da terra por comunidades quilombolas. Tanto que a questão agora será decidida pelo Supremo Tribunal Federal, uma vez que há uma ADI do Democratas contestando o Decreto 4887/2003, do Executivo, que regularizou as terras quilombolas. Diante disso, o Estatuto não disciplinou esse assunto. O relator, deputado Antônio Roberto (PV-MG), retirou o artigo que definia quem são os remanescentes de quilombos.
O senhor avalia que Estatuto, quando aprovado pelo Congresso, será uma lei que vai pegar?
Com certeza. Claro que haverá setores que vão dizer que não houve avanços, mas a história vai mostrar isso. A Lei Caó (inciso 42 do artigo 5° da Constituição Federal, que prevê a prática do racismo como crime inafiançável) foi combatida e rejeitada por alguns setores e hoje se mostrou atual e ideal, permitindo a tipificaçao do crime de racismo.
Como será a tramitação do projeto?
Ele agora vai para o Senado Federal, onde também há um acordo para imediatamente se constituir uma comissão especial para aprovar o Estatuto, a fim de que o presidente Lula possa sancioná-lo ainda neste ano. Nossa previsão é de que o texto seja aprovado até o dia 20 de novembro, que é o Dia Nacional da Consciência Negra.