Juízes e procuradores que comandam a operação Lava Jato têm aproveitado a conjuntura de irracionalidade e de clamor político que o Brasil vive para fazer a espetacularização do processo penal. A avaliação é do deputado Wadih Damous (PT-RJ). Ele critica o rótulo de “salvadores da pátria” que essa “turma de Curitiba” ganhou e alerta para o legado negativo que o trabalho desses juízes e procuradores poderá deixar ao País. Entre eles, Damous cita a presunção de culpa, o punitivismo fascista, o garantismo integral e a volta do Estado absolutista.
Em entrevista ao PT na Câmara, Wadih Damous, que já foi presidente da OAB/RJ por dois mandatos, afirma que “afora a fascistização do Ministério Público e do Poder Judiciário”, o saldo final da operação Lava Jato será dizer o “crime compensa”. “Ou seja, é dizer aos corruptos: roubem bastante, depois delatem, confessem, negociem e devolvam uma parte para o Estado. Isso porque qual é o saldo de recuperação dos ativos até agora? Quanto foi roubado e quanto foi devolvido? Veremos que foi um percentual mínimo. E, depois que eles saírem das manchetes, vão poder usufruir daquilo que a Lava Jato não vai conseguir alcançar, se é que queria mesmo alcançar”.
O deputado destaca ainda que hoje boa parte dos empresários acusados de prática de corrupção na Lava Jato já se encontra “a beira das suas piscinas, gozando prisão domiciliar, comendo o seu caviar todos os dias”.
Para Wadih Damous, a turma de Curitiba começa agora a perder o controle da Lava Jato, já que as delações começam a apontar para outros caminhos: para o presidente do PSDB, senador Aécio Neves, para os tucanos Geraldo Alckmin e José Serra, para o ex-presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB), para Moreira Franco (PMDB) e tantos outros caciques que articularam o golpe contra a presidenta eleita Dilma Rousseff.
“Aí, vem Gilmar Mendes (ministro do Supremo Tribunal Federal) criticar as prisões preventivas, dizer que elas são abusivas e já começa a defender a presunção de inocência. E já se fala em soltar o Eduardo Cunha. Então, aí pode ser o fim do ciclo dessa garotada de Curitiba, comandada pelo juiz Sérgio Moro”. Wadih Damous observa ainda que pode ser um fim trágico porque as conjunturas mudam como quem muda de roupa. “A hora em que os verdadeiros poderosos resolverem atuar contra essa turma, vão desencavar vídeos, o áudio que foi vazado da conversa da Dona Marisa Letícia, cuja morte tem ligação direta com a atuação do juiz Sérgio Moro e desses procuradores”.
Um dia, continuou Damous, “esse Sérgio Moro vai sentar no banco dos réus, quando ele não servir mais para as elites, para as classes dominantes brasileiras, que estão representados no Gilmar Mendes”.
O deputado do PT do Rio comentou ainda sobre o livro de teoria jurídica do procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador do núcleo curitibano do MPF na Lava Jato. Uma das principais teses do livro se dedica a criticar e relativizar alguns dos conceitos de provas dos tribunais. O principal deles é o que ele chama de hipergarantismo ou garantismo integral (exacerbação do direito de defesa dos réus). O procurador defende que é “preciso garantir os direitos dos réus, mas também os da sociedade”.
Veja abaixo os principais trechos da entrevista:
Garantismo integral
Esse tipo de conclusão a que chega o doutor Dallagnol, respaldado pela garotada de Curitiba não tem nada de novo. O que ele fala com muita pompa – garantismo integral – pode até ser uma expressão novidadeira, mas o pensamento, aquilo que ela expressa não tem nada de novo. O Brasil já está caminhando para ser a terceira maior população carcerária do mundo. Então que história é essa de que aqui no Brasil se privilegia réu? Esse rapaz não tem nada a ver com o que acontece aqui no Brasil, ele está atrás de holofotes, em busca de fama, em busca de celebridade. Achar que se é leniente com acusados, com réus, que não há preocupação com a sociedade, isso é simplesmente mentiroso, o procurador quando vem dizer isso está mentindo. Ele está tentando enganar a população a partir do seu cargo de procurador.
O que a Constituição brasileira fez em 1988 – e não é cumprido – foi, seguindo uma tendência do processo civilizatório, entender que alguém que esteja acusado ou seja condenado pela Justiça Criminal não deixa de ser um cidadão, com direitos e obrigações. Ninguém perde cidadania por conta de uma condenação penal. O preso ser tratado como uma besta fera é coisa que já deveria estar superada na prática e na teoria. Infelizmente para o doutor Dallagnol não está.
Sobre essa consigna, essa expressão garantismo integral, o que o doutor Dallangnol quer na verdade é consolidar um punitivismo fascista que hoje está em curso na sociedade brasileira. Ele quer juntamente com os seus colegas de Curitiba, consolidar em corações e mentes nos textos legislativos esse cenário fascistizante que nós vivemos hoje no Brasil. (…) O que esse rapaz está sugerindo é uma volta do Estado absolutista. É a relativização de princípios e valores que são caros as civilizações, não é meramente a essa ou aquela democracia. É do processo civilizatório. Então, infelizmente, estão se aproveitando dessa conjuntura de irracionalidade, de clamor político, de espetacularização do processo penal, da qual esse rapaz e seus colegas, juntamente com esse juiz Sérgio, são atores desse espetáculo.
Presunção de culpa
A Lava Jato se configura como uma participação indevida do Ministério Público Federal e do Poder Judiciário na política. Eles estão se apresentando, embora neguem, com salvadores da pátria, tentam desconstruir todo o arcabouço democrático que foi construído ao longo dos tempos. Está sendo construído no Processo Penal, em termos de direitos e garantias fundamentais dos réus, dos acusados, dos investigados, uma nova teoria: a presunção de culpa. Você é culpado até que você prove que é inocente.
Na verdade, quando ele (Dallagnol) defende a relativização da presunção de inocência, ele não diz que está propondo a presunção de culpa – porque ainda não chegou o momento de ser tão ousado, mas talvez até chegue esse momento – mas é isso que ele está propondo. Eu acho que você é culpado, prove o contrário. É assim em relação à defesa de determinadas pessoas que a operação Lava Jato está agindo. Um desses fedelhos lá de Curitiba disse para a imprensa: ‘nós não temos prova, mas não tinha como fulano de tal não saber, não tinha como ele não ter participação nisso, não havia como ele não ser o chefe dessa organização’. Essa é a lógica da chamada Lava Jato.
Delações
Agora se chegou a uma situação com as delações que acabou esse viés de confinar a operação Lava Jato ao PT. Até então, ela servia para tirar o presidente Lula do jogo político de 2018, para mandar prender arbitrariamente as principais lideranças do nosso partido. Isso acabou.
Agora, a turma de Curitiba começa a perder o controle. As delações começam a apontar para Aécio Neves, para José Serra, para Renan Calheiros, para Moreira Franco, para Geraldo Alckmin. Aí vem Gilmar Mendes criticar as prisões preventivas. Dizer que elas são abusivas. Começa a defender presunção de inocência, começa a se falar em soltar o Eduardo Cunha. Então, aí pode ser o fim do ciclo dessa garotada de Curitiba, comandada pelo juiz Sérgio Moro.
Vânia Rodrigues
Foto: LuizMacedo/CD