Ao prestar esclarecimento na CPI da Lei Rouanet (Lei 8.313/91), a ex-ministra da Cultura, Anna de Hollanda, afirmou nesta terça-feira (18) que a lei criada em 1991 para estabelecer mecanismos de financiamento de projetos culturais baseado em incentivos fiscais não pode ser penalizada por possíveis irregularidades praticadas por alguns de seus benificiários. “É preciso defender a cultura e o que for melhor para ela”, afirmou a ministra do primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff, em resposta à tentativa de criminalizar a Lei Rouanet, a partir de um fato isolado.
“A CPI foi instaurada, pelo que entendi, muito em função de um caso que foi chamado Operação Boca Livre. Porque aconteceu isso? Porque o diagnóstico da Operação Boca Livre teve início na nossa gestão por meio de uma tomada de contas especial que envolveu o ministério e a Receita Federal”, lembrou Anna de Hollanda.
A Operação Boca Livre a que se referiu a ex-ministra foi deflagrada pela Policia Federal, que investiga o desvio de recursos da Lei Rouanet. Os valores envolvidos nesse caso podem atingir a casa de R$ 180 milhões para fins privados. A base do governo golpista de Temer usou o fato para criar a CPI que tem por objetivo apurar supostas irregularidades na aprovação de projetos e na aplicação dos recursos captados.
Ela relatou que o trabalho do Ministério realizado em parceria com a Receita apontou casos suspeitos que foram encaminhados, na gestão da ex-ministra Marta Suplicy (2013), para a Controladoria Geral da União (CGU).
“Existe realmente uma lei maravilhosa, mas ela existe há 25 anos e precisa ter uma revisão, em alguns aspectos, para ser aperfeiçoada e, dentro do que foi possível comportar, conseguimos aperfeiçoá-la”, afirmou a ex-ministra que reconheceu a necessidade de revisar a legislação, e aprimorar os mecanismos de fiscalização e controle.
“Comecei a ficar muito preocupada com essas acusações e declarações públicas contra a Lei Rouanet. Quero lembrar que o que está aparecendo, o que apareceu não é prática comum, e os desvios acontecem em todas as áreas e têm que ser apurar. Os culpados também devem ser punidos no momento em que [o ilícito] for detectado e comprovado”, defendeu.
Aprimoramento – Ao discorrer sobre as medidas de aprimoramento da lei, Anna de Hollanda disse que existem alguns artigos da lei que não têm sentido. Ele relatou que houve um trabalho concentrado para aprovação e implementação do Programa Nacional de Fomento à Cultura (Procultura). Segundo ela, a proposta que tramita no Senado Federal vai corrigir distorções da Lei Rouanet. Ela disse ainda que, por ser uma lei mais dura, o Procultura pode vir a sanar ou reduzir desvios que são passíveis de ser cometidos a partir da atual legislação.
A ministra reclamou da perseguição que sofreu ao aceitar o convite para conduzir a pasta da Cultura do governo Dilma, já que o fato de fazer parte de uma família de artistas gerou desconfianças. Irmã de Chico Buarque de Hollanda, um dos artistas mais conhecidos do Brasil, a ex-ministra contou que a primeira coisa que ela fez ao assumir a pasta foi encaminhar a toda família comunicado de que eles não podiam apresentar nenhum projeto ao Ministério da Cultura.
“Eu tenho irmãos, sobrinhos, companheiros que atuam em quase todas as áreas artísticas. Então, eu peguei um parecer da assessoria jurídica que me apontou o que podia ou não podia ser feito. Procurei toda a família, mandei comunicado dizendo que não poderiam ser proponentes de projeto nenhum”, relatou Anna de Hollanda, que ainda lembrou as acusações e calunias que sofreu no período à frente do Ministério.
Ao se pronunciar sobre o tema, o presidente da Comissão de Cultura da Câmara, deputado Chico D`Ângelo (PT-RJ), afirmou que desde 2001 denúncias de irregularidades rondam a aplicação da Lei Rouanet. Para ele, a CPI deveria, em vez de convocar ex-ministros, convidar a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, órgãos que estão fazendo a investigação para esclarecerem as denúncias que pesam sobre a aplicação da Lei Rouanet.
“A Polícia Federal já fez um diagnóstico em relação à Operação Boca Livre. Se a gente já tem um órgão da credibilidade como a Polícia Federal que tem investigação concreta sobre a questão, para ajudar o nosso trabalho, seria mais produtivo iniciarmos as audiências convidando a PF e o Ministério Público para as oitivas da CPI”, defendeu Chico D`Ângelo, que ainda refutou convites aleatórios que, segundo ele, não vão contribuir para a elucidação do problema.
Chico D`Ângelo frisou que o foco da CPI é a Operação Boca Livre. Segundo ele, a comissão precisa se preocupar em não politizar as investigações e tomar cuidado para não criminalizar e estereotipar nem a lei nem o artista.
Benildes Rodrigues
Foto: Leonardo Prado/CD