Em uma audiência pública que superlotou os dois maiores plenários de comissões da Câmara dos Deputados, parlamentares e representantes dos movimentos sociais defenderam nesta quarta-feira (28) a aprovação de medidas legislativas capazes de desenvolver um conjunto de arranjos e cadeias produtivas solidárias para assegurar que a autogestão, o associativismo e o cooperativismo sejam ferramentas e instrumentos formais de desenvolvimento. O debate foi promovido pela Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia, por uma iniciativa do deputado Angelim (PT-AC).
Na economia solidária, os trabalhadores são donos do próprio negócio. São eles quem tomam as decisões de como gerir o negócio, dividir o trabalho e repartir os resultados. No centro dessa luta para fortalecer esse viés de produção, está o projeto de lei (PL 4685) que dispõe sobre a Política Nacional de Economia Solidária e cria um Sistema Nacional de Economia Solidária. O PL tramita atualmente na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara e tem como relatora a deputada Maria do Rosário (PT-RS), que estava no interior do Rio Grande do Sul e participou da audiência, ao vivo, por videoconferência. Ela destacou a necessidade de aprovação do projeto, que incentiva um desenvolvimento não centrado no mercado.
Rosário lembrou que os aspectos da autogestão e da cooperação que estão previstos nas estratégias de economia solidária foram incentivados pelos governos democráticos de Lula e de Dilma. Ela também fez um contraponto com a visão do atual governo golpista. “Acredito que essa audiência pública pode nos ajudar muito a incentivar a aprovação do PL, mas o projeto de lei não pode encontrar dificuldades justamente por uma visão econômica calcada no interesse de poucos e de um ajuste fiscal que está em andamento, voltado aos interesses dos grandes bancos e das grandes fortunas”.
Entre os autores do PL 4685 estão os deputados petistas Paulo Teixeira (SP), Padre João (MG) e Bohn Gass (RS).
Alternativa – O deputado Angelim ressaltou que a economia solidária se coloca como uma alternativa para construir uma sociedade mais justa e mais humana, sobretudo num momento como o atual, que alia crise política, econômica e ética. “Venho dizendo há tempos que passou da hora de darmos à economia solidária uma escala compatível com a magnitude da população brasileira, dando a ela status de política de estado, para que não fique à mercê de quem está no governo”, disse o parlamentar, criticando em seguida a intenção do atual governo de desarticular o trabalho iniciado pelos movimentos sociais e governos do PT.
“Considero um erro grave a manifesta intenção do governo de extinguir a Senaes [Secretaria Nacional de Economia Solidária] e penso que devemos continuar lutando para que a Economia Solidária não perca seu status, assim como devemos lutar para manter o Conselho Nacional de Economia Solidária e todas as nossas conquistas dos últimos anos”, defendeu Angelim. A Senaes foi criada em 2003 pelo presidente Lula em atendimento a uma reivindicação dos movimentos sociais. À época, o economista Paul Singer – entusiasta e militante da causa – foi indicado para conduzir a secretaria. Ele se desligou do cargo em junho deste ano, depois que os golpistas assaltaram o poder federal.
Contra o golpe – Durante a audiência, Lidiane Freire de Jesus, da Coordenação Nacional do Fórum Brasileiro de Economia Solidária, fez uma manifestação formal, em nome das entidades que representa, contra a ruptura no sistema democrático brasileiro. “Não reconhecemos os processos antidemocráticos recentemente implantados no sistema político brasileiro. Então, primeiramente, fora Temer!”, protestou.
Lidiane resgatou um momento ocorrido em 2011, durante a primeira gestão da presidenta Dilma Rousseff, quando o movimento da economia solidária se fez presente em Brasília para afirmar que os empreendimentos solidários eram politicamente e estrategicamente diferentes das micro e pequenas empresas, e que por isso precisavam de uma política específica. “Voltamos agora em 2016 a esta Casa, mas voltamos com a insegurança da continuidade e ampliação dos passos dados na política de economia solidária. O que provoca essa insegurança são o desmonte de ministérios, de secretarias e de programas que fortaleciam políticas públicas, que direta ou indiretamente fortaleciam as práticas de economia solidária”.
Leonardo Penafiel Pinho, presidente da Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários (Unisol), também se mostrou preocupado com o atual momento político brasileiro, em que a democracia – construída dentro de uma pluralidade política – está sendo atacada, prejudicando também a construção de uma pluralidade econômica no País. “Por isso, é importante reconhecer no PL 4685 as diversas formas de organização da autogestão. Mas como a democracia no geral está sendo atingida, vemos que o caminho da democratização econômica também começa a sofrer revezes”, alertou.
“Precisamos aprofundar o sentido da necessidade da democratização econômica. Vivemos historicamente no Brasil um pouco de democracia formal, eleitoral, que passa agora por um momento tenso. Mas a democracia econômica ainda tem um longo caminho. Ainda vivemos numa sociedade altamente concentradora. Não só de renda, mas de terra, de poder político… É contra isso, como alternativa a tudo isso, que a economia solidária, o cooperativismo solidário, o associativismo de caráter popular e comunitário se organizam. Pra dizer que a democracia brasileira precisa se fortalecer, mas principalmente precisa democratizar a economia”, disse o presidente da Unisol.
PT na Câmara
Foto: Gustavo Bezerra/PTnaCâmara