Por decisão de 61 senadores que votaram sim contra 20 que resistiram, lá se foram os sonhos de uma sociedade inclusiva, com justiça social e igualdade de direitos e de oportunidades para todos. A presidenta Dilma Rousseff está afastada de seu cargo. Michel Temer que compunha a chapa da presidenta e articulou o golpe, é o novo presidente da República.
Lá se vão projetos sociais, que mudarão não só de nome, mas de lógica. Sai a preocupação com os mais pobres. Entra a lógica do capital. E uma excepcionalidade ameaçadora paira sobre a Constituição. Não temos mais um presidente eleito. O voto de 54 milhões de brasileiros foi cassado junto com a presidenta. E a democracia atacada mais uma vez.
No dia em que foi promulgada a Constituição, 5 de outubro de 1988, o então presidente do Congresso e da Câmara dos Deputados, Ulysses Guimarães encerrou os trabalhos da Assembleia Constituinte com um dos mais belos discursos da História do Parlamento brasileiro. “Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério”, disse. A História julgará os traidores de 2016.
Ulysses, um ícone do PMDB certamente ficaria horrorizado com o golpe urdido por representantes de seu partido, que chegam ao poder nesta quarta-feira (31) pela terceira vez sem ter recebido um único voto que seja. Ulysses, um defensor ferrenho da democracia não aceitaria que se torcessem os fatos para chamar de crime o que não existiu.
O último dia
No sexto e último dia, quarta-feira, dia 31, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski abriu a sessão com quinze minutos de atraso. A acusada não estava presente quando a sentença foi proferida. Nos legalistas, a certeza de que a história reservará a eles o espaço da resistência.
Foram 20 os senadores que brigaram bravamente para assegurar o que determina a Constituição. Não há crime, não há dolo. E os governistas sabem disso. Falam em julgamento político, “conjunto da obra”. Nada disso é previsto na Constituição.
“É uma farsa”, resumiu o senador petista Lindbergh Farias (PT-RJ). Uma farsa promovida por oportunistas, que encontraram na falta de apoio político e da popularidade o argumento para urdir uma trama para desapear a presidenta legitimamente eleita. “É um dia triste para o nosso País”, porque o Senado está cometendo um erro grave”, disse o líder do PT, Humberto Costa (PE), lembrando as forças que articularam.
O julgamento começou na quinta-feira, 25. Em seis dias da longa sessão de julgamento, testemunhas de defesa e acusação desempenharam seus papéis num roteiro já traçado. Era clara a decisão de impedir a presidenta, mesmo que os argumentos legais deixassem claro como água que o tal crime de responsabilidade não se caracterizava.
Na segunda-feira (29), dia reservado para a autodefesa, Dilma submeteu-se a um interrogatório que durou 11 horas e 35 minutos. 48 dos 81 senadores questionaram e ouviram respostas firmes, altivas. Dilma não fraquejou. Não é do perfil dela. É sabido o quanto a presidenta cresce na diversidade. Encarou os golpistas olhando-os nos olhos. Não esmoreceu.
A trama do golpe
O pedido de impeachment contra Dilma, apresentado pelos juristas Miguel Reale Júnior, Janaina Paschoal e Hélio Bicudo, argumentava que ela teria cometido crime de responsabilidade ao editar três decretos de créditos suplementares sem autorização do Legislativo e ao praticar as chamadas “pedaladas fiscais”, que consistiram no atraso de pagamentos ao Banco do Brasil por subsídios agrícolas referentes ao Plano Safra.
Eles alegaram que Dilma descumpriu a Lei Orçamentária de 2015 e contraiu empréstimo com instituição financeira que controla.
Não conseguiram provar, porque Dilma não cometeu ilegalidade e não houve dolo ou má-fé na abertura de créditos suplementares. Além disso, as chamadas “pedaladas” não são empréstimos, mas prestações de serviços cujos pagamentos foram regularizados após orientações do Tribunal de Contas da União (TCU).
O processo de impeachment, como foi demonstrado pelo advogado da defesa, José Eduardo Carcozo, foi aberto como ato de vingança do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) por não ter recebido apoio da bancada do PT para barrar o processo de cassação contra ele.
Giselle Chassot
Foto: PT no Senado