Foto: Gustavo Bezerra
Ao estabelecer mudança nas regras para a permanência de beneficiários no Bolsa Família, a proposta do senador Aécio Neves (PSDB-MG), aprovada na quarta-feira (27) na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado, revela padecer de um erro crasso: tira dos mais pobres o foco da ação do poder público, que é a essência do programa. Sob a roupagem de ser uma matéria positiva por ampliar benefícios, ela carrega o ardil eleitoreiro que incorpora o falso caráter de “aprimoramento” e “avanço”, quando, na verdade, promove uma série de impactos negativos ao programa.
Importante destacar que o Bolsa Família é um dos programas sociais mais estudados no mundo, passa por constantes aperfeiçoamentos a partir de criteriosas pesquisas e serve atualmente de modelo para a superação da pobreza em várias outras nações. Na contramão de tudo isso, sem base científica alguma, o projeto do senador tucano sugere que, mesmo a renda familiar dos beneficiários ultrapassando o limite de R$ 154 por pessoa, eles continuem recebendo indefinidamente o valor a que tinham direito, sem que seja mais considerado o teto de meio salário mínimo.
Pelas regras atuais de permanência no programa, o beneficiário pode continuar no Bolsa Família por mais dois anos, mesmo que a renda familiar tenha subido para além de R$ 140 mensais por pessoa e desde que não ultrapasse meio salário mínimo (atualmente R$ 362) mensal per capita. Essa regra reconhece que uma das características da pobreza é a instabilidade da renda e que, por isso, mesmo rompendo a linha da pobreza, faz-se necessário a garantia de uma segurança por mais tempo.
Dessa forma, mesmo que num dado instante haja um aumento de renda, em virtude de um trabalho ou de um negócio próprio, o programa já prevê regras de permanência desde que a renda per capita não esbarre no teto de meio salário mínimo. Em outra situação, mesmo que haja um desligamento porque a família beneficiária rompeu essa barreira, ainda assim, o Bolsa Família dispõe de regras que estabelecem o retorno facilitado ao programa de ex-beneficiários que se encontram novamente na condição de pobreza.
Para o deputado Henrique Fontana (PT-RS), a atual postura do PSDB, ao propor essas mudanças, em nada altera o histórico do partido com relação ao programa, que muitas vezes foi definido pelos tucanos como “bolsa-esmola”. “Fizeram muitas críticas dizendo que o programa não seria capaz de elevar a condição de vida das pessoas, que era apenas um estímulo ao desinteresse de buscar emprego. Então, esse projeto é apenas uma tentativa de dar uma disfarçada naquilo que sempre foi a posição do PSDB”, avaliou Fontana.
A proposta do senador é, portanto, um tiro no pé dos tucanos, que inicialmente se apoiaram no discurso de que o Bolsa Família era um programa de estímulo à “acomodação” e à “preguiça”. Se esse fosse um argumento válido (e nunca foi, porque os números comprovam que o percentual de beneficiários empregados ou procurando emprego é semelhante ao do restante da população), a oposição estaria agora reforçando o que sempre criticou, porque está justamente fechando portas de saídas do programa e não estimulando o desligamento como querem fazer supor.
A ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, ao falar sobre a proposta aprovada na CAS do Senado, reforçou a avaliação de que a medida adia indefinidamente a saída do programa daqueles que superam a pobreza. “Atualmente, as regras do programa já protegem os beneficiários que melhoram de renda, após a superação da pobreza. Hoje, o Bolsa já permite às famílias que melhoram de renda continuar recebendo o benefício até o limite de meio salário mínimo. Por que retirar esse teto? Quais estudos foram feitos para tomar essa medida tão drástica?”, questionou.
“O programa não é uma mera transferência de renda. O que eles (tucanos) estão propondo já faz parte dos princípios do Bolsa Família. As pessoas estão se desligando do programa porque estão melhorando de vida e se incorporando ao mercado de trabalho, ganhando condições de caminhar com as próprias pernas, dentro das oportunidades de estudo e de emprego que receberam. Portanto, é inadmissível que, às vésperas da eleição, a gente presencie esse tipo de iniciativa claramente eleitoreira”, disse a deputada Benedita da Silva (PT-RJ)
Tarciano Ricarto