O avanço do endividamento, que já atinge 80% das famílias brasileiras, e da inadimplência, que em agosto atingiu o maior percentual da série histórica, faz com que devedores e credores adotem comportamentos distintos. Diante das condições adversas da economia, com renda em baixa e juros em alta, os saques da caderneta de poupança batem recordes consecutivos, enquanto instituições financeiras e até grandes redes varejistas passam adiante as dívidas vencidas, conhecidas como “créditos podres”.
Investimento mais tradicional do país, a caderneta de poupança registrou o segundo recorde consecutivo de retiradas em agosto. Brasileiros e brasileiras sacaram R$ 22,02 bilhões a mais do que depositaram, conforme relatório do Banco Central (BC). É a maior diferença para um mês desde o início da série histórica, em 1995. Nos oito primeiros meses do último ano de Jair Bolsonaro e seu ministro-banqueiro Paulo Guedes, a retirada líquida chega a R$ 85,17 bilhões, também a maior marca da história.
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Os saques da poupança já haviam somado R$ 12,662 bilhões em julho – maior saída de recursos para o mês da série histórica do BC. A retirada foi mais de cinco vezes maior do que o recorde negativo anterior para o período, de 2015 (-R$ 2,453 bilhões). Até julho, as retiradas da poupança (R$ 63,151 bilhões) já haviam registrado um volume que superou o ano todo de 2015, até então o mais negativo da série (-R$ 53,567 bilhões).
A sequência de quedas no saldo da poupança começou já em 2021, quando foi registrado o primeiro saldo negativo desde 2016. No ano em que a inflação voltou a bater dois dígitos em 12 meses, os brasileiros retiraram da poupança R$ 35,5 bilhões a mais que depositaram, o terceiro pior desempenho anual da história.
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O resultado veio após a captação recorde de 2020 (R$ 166 bilhões), quando as famílias mais pobres acumularam recursos do auxílio emergencial, pago até dezembro de 2020, também o mês em que os brasileiros mais retiraram recursos (R$ 318,1 bilhões).
Em janeiro de 2021, quando o auxílio emergencial foi suspenso até abril pelo desgoverno Bolsonaro, as retiradas superaram os depósitos em R$ 18,1 bilhões. A captação líquida também foi negativa em fevereiro, março, agosto, setembro, outubro e novembro. A inflação de dois dígitos de Bolsonaro e Guedes se consolidou em setembro.
Capacidade de endividamento se aproxima do esgotamento
O cotejo desses números demonstra que a capacidade de endividamento das pessoas está próxima do esgotamento. Se, em um ano, a proporção de famílias endividadas cresceu 6,1 pontos porcentuais, as estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam perda do rendimento real médio de trabalhadores no período.
O aumento do endividamento é uma das formas que as famílias encontraram para manter as despesas o dia a dia. Mas parcela expressiva das famílias continua a enfrentar fortes pressões sobre os gastos, em razão da persistente alta dos preços de itens de grande peso nos orçamentos – a começar pelos alimentos, que subiram em um ano o dobro da inflação oficial.
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O aumento constante da inadimplência é o principal sinal de que boa parte das famílias enfrenta dificuldades crescentes para honrar os compromissos financeiros. A alta dos juros cria ainda mais dificuldades.
A taxa básica de juros (Selic), que estava em 2,0% ao ano no início de 2021, chegou ao patamar histórico de 13,75%, e ainda pode subir. Esse “ciclo infernal” criado por Bolsonaro e Guedes leva quem ainda tem algum dinheiro guardado a “queimar” a poupança.
Negociações de “créditos podres” podem chegar a R$ 60 bilhões em 2022
Essas condições adversas da economia brasileira levaram ao crescimento da oferta de carteiras de crédito vencidas, os chamados “créditos podres”, como alternativa para bancos e empresas passarem adiante as dívidas que não conseguiram receber.
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Os grandes bancos são os principais ofertantes desse tipo de ativo, mas a degradação econômica fez outros segmentos, como bancos digitais e varejistas de vestuário e eletroeletrônicos, ingressarem no mercado para reforçar o caixa. Os compradores dessas carteiras tentam lucrar com a recuperação de ao menos parte da dívida principal.
A tendência em 2022, portanto, é de volumes maiores e diversificação de origens nesse mercado de “créditos podres”. Ao Estado de São Paulo, analistas da Jive, gestora especializada em ativos problemáticos, estimaram que as ofertas devem girar entre R$ 40 bilhões e R$ 60 bilhões. Se confirmado, o ponto médio dessa projeção representará uma alta de 43% na comparação com 2021.
“Os bancos tiveram piora significativa no volume de créditos em atraso desde o fim do ano passado”, explica o sócio da Jive, Guilherme Ferreira. Nos três primeiros meses de 2022, os créditos vencidos entre 90 e 180 dias subiram 12,5% nos cinco maiores bancos, alcançando R$ 28 bilhões.
Fora do universo bancário, Via (dona da Casas Bahia e Ponto), Carrefour, Lojas Marisa, Riachuelo e Pernambucanas também negociaram carteiras vencidas de crédito a pessoa física nos últimos meses. Parte dos créditos vencidos que chegam ao mercado está relacionado aos efeitos da inação do desgoverno Bolsonaro no início da pandemia, que levou ao fechamento do comércio e a demissões de trabalhadores e trabalhadoras.
“Esse mercado começou com os grandes bancos, com dívidas vencidas há quatro ou cinco anos. Depois, vieram as fintechs e as varejistas. Minha percepção é de que são os segmentos que sentiram primeiro o efeito da inadimplência oriunda da pandemia”, diz Eduardo Martins, sócio da MGC Holding, empresa especializada na comercialização dessas carteiras.
Ele acredita que os próximos ofertantes serão as empresas de serviços básicos, como energia, saneamento e telecomunicações. Elas vêm sentindo o peso da inadimplência nas contas de luz, água, internet e TV por assinatura, tanto entre clientes residenciais quanto comerciais e industriais e do setor público. “Acredito que essas ofertas vêm ainda em 2022”, finalizou.
PTNacional