A “agenda anti-indígena” de Jair Bolsonaro enfrenta dura resistência dos participantes do 18º Acampamento Terra Livre (ATL) 2022. Desde a última sexta-feira (8), seus participantes vêm denunciando os ataques bolsonaristas aos direitos dos povos tradicionais. Caso do Projeto de Lei (PL) 191/2020, que objetiva “abrir as porteiras” de terras indígenas (TI) para projetos econômicos em larga escala.
Entre outras coisas, o PL 191 altera os artigos 176 e 231 da Constituição para estabelecer condições especiais para mineração e outras atividades econômicas em terras indígenas (como exploração de petróleo, construção de hidrelétricas e projetos de agricultura).
A proposta do Executivo é estabelecer como condições específicas para explorar terras indígenas uma autorização do Congresso (por decreto legislativo) e o pagamento de indenização sobre exploração das áreas. O PL ainda estabelece que compete ao presidente da República encaminhar ao Congresso os pedidos de mineração em terras indígenas para análise do parlamento.
Na prática, o PL 191 retira dos povos tradicionais o direito de uso pleno de áreas demarcadas e viola tratados internacionais. Até o regime de urgência aprovado na Câmara em 9 de março, com voto contrário da Bancada do PT, faz com que a própria tramitação do PL ignore a consulta prévia aos povos indígenas, como prevê a Constituição e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A advogada Juliana de Paula Batista, do Instituto Socioambiental (ISA), avalia que o projeto ignora o status das terras indígenas. “A Constituição é clara ao estabelecer a necessidade de condições especiais para qualquer tipo de mineração em terras indígenas e diz que os povos devem ser consultados sempre que um empreendimento for apresentado. Mas o que se busca é uma exceção, igualando a mineração em terras indígenas aos demais empreendimentos de mineração. As terras indígenas correm o risco de desaparecerem”, disse ao portal InfoAmazônia.
No caso das terras indígenas ainda não homologadas, o PL prevê a possibilidade de aprovação dos projetos sem participação indígena, o que “pode colocar em risco povos totalmente isolados em terras ainda não totalmente demarcadas”, diz a advogada do ISA. O PL também não esclarece quanto os indígenas receberiam pela exploração dos recursos em suas terras. Isso seria definido depois, por meio de decretos.
Juliana Batista lembra que a Constituição define que qualquer tipo de intervenção em terras indígenas, incluindo exploração de riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, só podem ocorrer diante de “relevante interesse público da União”, que ainda precisa ser definido por uma Lei Complementar. “O Congresso até hoje nunca definiu o que é relevante interesse público”, critica.
A advogada alerta que um dos artigos do PL 191 prevê também a liberação de garimpo em terras indígenas, “que é totalmente proibido nesses territórios, independente de autorização do Congresso”, e que a tentativa do governo em pautar o assunto, por si só, gera ainda mais tensão nas terras indígenas em conflito com garimpeiros. Mesmo assim, o texto do PL prevê a possibilidade de autorizar garimpos em terras indígenas “independentemente de estudo técnico prévio”.
“Problemas insanáveis” e ameaça à vida e à cultura dos povos
Em nota, o Ministério Público Federal (MPF) aponta problemas “insanáveis” no projeto e diz que o texto pode alterar profundamente o modo de vida dos povos indígenas, oferecendo potencial dano e ameaça à vida e à cultura desses povos. Por meio da 6ª Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6CCR/MPF), órgão vinculado à Procuradoria-Geral da República, o MPF indica que vai contestar judicialmente a matéria, se ela for a votação.
Recentemente, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), comentou que “possivelmente” o PL 191 será questionado na Corte. Em dezembro de 2022, lideranças indígenas protocolaram documento junto ao gabinete do presidente do STF, ministro Luiz Fux, solicitando a retomada e conclusão do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que versa sobre o PL 490 (Marco Temporal das Terras Indígenas), outra ameaça aos povos tradicionais.
O STF começou a julgar em agosto do ano passado se a demarcação de terras indígenas deve seguir o critério do marco temporal, pela qual os indígenas teriam direito somente às terras que ocupavam em 5 de outubro de 1998, data da promulgação da Constituição. Eventual aprovação dificultaria novas demarcações de terras indígenas.
Relator do processo, Fachin foi favorável à revisão, que permitiria aos indígenas reivindicar outras terras. Indicado por Bolsonaro, Kassio Nunes Marques divergiu, votando a favor da tese. Alexandre de Moraes pediu vista dos autos e os devolveu em 11 de outubro para a retomada do julgamento. A nova data depende de Fux.
Na carta, as lideranças ressaltam os ataques cometidos pelo desgoverno Bolsonaro e aliados contra os povos originários e seus direitos constitucionais. Os povos indígenas “sofrem cotidianamente os mais vis ataques decorrentes da omissão do Estado em demarcar nossas terras e do estímulo da invasão de nossos territórios pelo Executivo Federal”, destaca o documento. “É permanente a tentativa de apropriação dos nossos corpos, da terra onde vivemos e dos recursos naturais que protegemos, a exemplo dos ataques diretos de garimpeiros, madeireiros e fazendeiros.”
Carta aberta contesta argumentação do desgoverno Bolsonaro
Assinado por Bolsonaro, o ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, e o então ministro da Justiça Sérgio Moro, o PL 191 é alvo de uma carta aberta lançada na última semana por lideranças indígenas, com integrantes da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, contestando as argumentações do desgoverno Bolsonaro em favor do projeto. A iniciativa busca mobilizar um milhão de assinaturas de parlamentares, instituições, organizações e movimentos sociais.
VEJA A ÍNTEGRA DA CARTA ABERTA
Na última sexta-feira (8), terminou o prazo de um mês estabelecido pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), para colocar em votação o PL. Lira driblou o regimento da Casa ao anunciar a restrição do debate a um Grupo de Trabalho (GT) que seria composto por 20 parlamentares, mas ainda não assinou a criação do GT.
As mineradoras abandonaram a defesa ao projeto e divulgaram nota afirmando que o PL 191 “não é adequado para os fins a que se destina” e deveria “ser amplamente debatido”. “E a gente está percebendo que tem setores do agro que não estão a fim de comprar essa briga”, disse à Rede Brasil Atual o deputado Nilto Tatto (PT-SP). Um dos parlamentares indicados para compor o GT do PL 191, ele diz que o recuo é “evidente”, mas pode ser parte de uma estratégia de Lira para esperar um momento mais oportuno.
O líder da Bancada, Reginaldo Lopes (MG), defende a formação do GT. “É fundamental para esta Casa que se tenha um grupo de trabalho, e que a base do governo possa então derrotar a urgência nesse PL por uma questão muito simples: nós não conhecemos o PL na sua totalidade. E quem leu sabe que é uma aberração, um absurdo. Até mesmo a base do governo, vários líderes, se manifestaram contrários ao conteúdo”, finalizou.
PTNacional, com agências