O sistema político brasileiro padece de dois grandes problemas estruturais, e não se pode falar em reforma política sem enfrentá-los adequadamente do ponto de vista do aperfeiçoamento democrático. Um deles é o personalismo, que fragiliza os partidos políticos ao favorecer a eleição de figuras conhecidas a partir de sua imagem pública e não de programas políticos. O outro é o abuso do poder econômico, que foi parcialmente reduzido com a consolidação do fundo público de financiamento eleitoral, mas ainda pode ser aperfeiçoado.
Infelizmente, as propostas que vêm alimentando os debates sobre a reforma política no Parlamento para este ano – pelo menos no momento em que escrevo esse artigo – apontam para retrocessos inaceitáveis. Quero me deter especialmente na proposta do sistema de votação chamado “Distritão”, que só existe em quatro países: Ilhas Pitcairn, Vanuatu, Jordânia e Afeganistão. Ou seja, não é adotado nas nações do mundo democrático. Neste sistema, o foco das campanhas são os candidatos, deixando em segundo plano os programas dos partidos e das frentes políticas, portanto, favorecendo o personalismo. Caso adotado, as eleições proporcionais se tornariam pequenas eleições majoritárias e produziriam uma ênfase individual que beneficiaria os candidatos com mais recursos ou mais conhecidos, dificultando a renovação do Parlamento. A campanha individualizada causaria o fim da fidelidade partidária, o que criaria enormes problemas de governabilidade. A hiper fragmentação se ampliaria e seria quase como ter 513 partidos na Câmara.
Neste modelo, só seriam computados os votos dados aos que obtiveram maior votação. Ou seja, os votos dados a outros candidatos seriam jogados na lata do lixo. Pela análise da última eleição, em um levantamento da Folha de São Paulo, 70% dos votos seriam desperdiçados. Ou seja, 68 milhões dos quase 100 milhões de eleitores que escolheram um candidato a deputado federal teriam seus votos desprezados.
Não é desta reforma política que o Brasil precisa. É necessário avançar. No caso do poder econômico, a legislação atual, apesar dos avanços, ainda permite, por exemplo, que candidatos super ricos banquem suas próprias campanhas. É preciso diminuir o impacto do poder econômico nas eleições. Quanto mais baratas forem, melhor. Portanto devemos trabalhar pela redução dos tetos de gasto nas campanhas e pela diminuição dos valores das contribuições de pessoas físicas.
Medidas como as cláusulas de barreira moderadas e o fim das coligações proporcionais devem ser preservadas, mas devemos avançar na viabilização de federações partidárias, que têm obtidos excelentes resultados em países como Alemanha, Chile, Portugal e Uruguai, nas quais os partidos se articulam em torno de programas comuns. As Federações asseguram o pluralismo político, garantem um caráter mais nacional às legendas, valorizam as identidades entre os partidos e inibem o fisiologismo.
O Partido dos Trabalhadores tem bandeiras históricas na busca de ampliar o espaço das mulheres e dos negros na representação política, ainda muito aquém de sua real presença na sociedade. Estamos propondo a proporcionalidade de um terço para as mulheres e os negros, não apenas nas listas de candidatos, mas na própria composição das casas legislativas.
Precisamos de uma reforma política que amplie a participação popular por meio de mecanismos de democracia direta, como plebiscitos e referendos, e facilite a apresentação de projetos de lei de iniciativa popular. A reforma deve, ainda, combater o poder econômico e estimular a renovação, a qualificação e a diversidade nos parlamentos, essenciais para o fortalecimento da nossa democracia.
Henrique Fontana é deputado federal (PT-RS)
Artigo publicado originalmente na Revista Focus (FPA)