Especialistas em segurança alimentar e combate a fome que participaram de audiência pública na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara, nesta sexta-feira (21), afirmaram que o desmonte de várias políticas públicas sociais e de garantia da segurança alimentar e nutricional, praticado pelo governo Bolsonaro, agravou o quadro de fome e dificultou o acesso a alimentos durante a atual pandemia. A reunião foi uma iniciativa do deputado Padre João (PT-MG), que também presidiu o encontro.
A Representante da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar – (Rede Penssan), Ana Maria Segall, observou que em pesquisa realizada em dezembro de 2020, pelo Instituto Vox Populli, já apontava cerca de 20 milhões de brasileiros passando fome no País e outros 116 milhões com algum comprometimento na qualidade e na quantidade de sua alimentação.
Apesar de reconhecer que a atual pandemia da Covid-19 contribuiu para agravar o quadro, a representante da Rede Penssan disse que a situação atual poderia ser bem melhor. Ela lembrou que desde 2016 – nos governos Temer e Bolsonaro – o Poder Executivo passou a desmontar ou reduzir investimentos em programas sociais e de segurança alimentar que possibilitaram ao Brasil sair do Mapa da Fome, em 2014.
“O que nos surpreende nessa pesquisa, e já estávamos monitorando a situação da população desde 2015, é observarmos uma grande piora na insegurança alimentar e o aumento da pobreza e da extrema pobreza, principalmente a partir de 2016, por conta do crescimento do desemprego e corte em programas sociais. Essa situação de insegurança alimentar foi agravada a partir de 2018”, afirmou.
Como exemplo da piora desse cenário a partir do golpe de 2016, contra a então presidenta Dilma Rousseff, Ana Maria Segall destacou que, enquanto em 2013 o Brasil possuía apenas 4,2% de domicílios em insegurança alimentar, a pesquisa demonstrou que esse índice mais do que dobrou em dezembro de 2020, chegado a 9% dos domicílios brasileiros.
O deputado Padre João, que também é presidente da Frente Parlamentar de Segurança Alimentar e Nutricional, disse que os dados atuais sobre a fome e a insegurança alimentar no País devem ser ainda piores do que os verificados em dezembro de 2020. Ele lembrou que a população mais vulnerável ficou três meses sem qualquer auxílio emergencial e que o retorno do benefício em abril é insuficiente para garantir a alimentação de uma família.
“Considerando o vácuo de três meses em que a população ficou sem auxílio, e com a redução para os valores pago atualmente (entre R$ 150 e R$ 375), creio que a fome já atinge mais de 20 milhões de brasileiros, e temos quase 150 milhões de brasileiros em situação de insegurança alimentar. Com o auxílio emergencial atual, de R$ 150 só é possível comprar um botijão de gás”, afirmou o petista. Em alguns estados do Brasil, o botijão já é vendido a R$120.
Pandemia da Covid pegou o Brasil desprevenido
A representante da Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (Fian/Brasil), Nayara Côrtes Rocha, destacou que a atual insegurança alimentar experimentada por milhões de brasileiros afeta principalmente populações mais pobres, com destaque para famílias negras, indígenas e quilombolas.
“A partir do momento em que temos metade da população em insegurança alimentar, podemos dizer que foi uma escolha política agravada pela retirada de direitos, redução do alcance de programas sociais e de segurança alimentar. Quando a pandemia chegou, apenas agravou um cenário de alto desemprego e informalidade, com mais de um milhão de famílias na fila do Bolsa Família e de ataque as políticas de promoção da agricultura familiar”, observou.
Segundo ela, ao invés de se responsabilizar para evitar o crescimento da fome, o governo Bolsonaro preferiu usar o problema de forma leviana para atacar as medidas de distanciamento social adotadas para reduzir o contágio pela Covid-19.
Pnae e PAA
Representantes da Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e do Movimento de Pequenos Agricultores (MPA) denunciaram durante a audiência pública o desmonte de políticas públicas que poderiam amenizar a situação de insegurança alimentar enfrentada atualmente pelo País.
“O Brasil precisa fortalecer políticas públicas como o Pronaf – voltado a produção da agricultura familiar – o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), que poderiam contribuir com a segurança alimentar da população brasileira”, explicou Edjane Rodrigues, Secretária de Políticas Sociais da Contag.
Ela disse ainda que o Brasil precisa pensar o pós-pandemia e adotar programas para resolver o problema da insegurança alimentar no País como Renda Mínima, o retorno do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) – extinto pelo governo Bolsonaro – e uma reforma agrária de verdade.
Lei Assis Carvalho
E o representante do MPA, Claudeilton Luiz, além de defender a recomposição do orçamento dos mesmos programas sociais também destacou a necessidade de o Congresso aprovar a Lei Assis Carvalho 2 (PL 823/2021), que trata prioritariamente da renegociação das dívidas de pequenos agricultores.
No ano passado, mesmo após aprovado pelo Congresso Nacional, o presidente Jair Bolsonaro vetou a primeira versão da Lei Assis Carvalho (PL 735/2020). A proposta criava medidas emergenciais de amparo aos agricultores familiares para atenuar os impactos socioeconômicos da pandemia de coronavírus.
Também participaram da audiência pública a relatora nacional para o Direito Humano à Alimentação da Plataforma DHESCA, Mariana Santarelli; a coordenadora do Programa de Alimentação Adequada e Saudável do Idec, Janine Giuberti; o coordenador da Comissão dos(as) Presidentes(as) dos Conseas Estaduais (CPCE), Jean Pierre; a diretora-geral e representante da Aliança de Controle do Tabagismo (ACT Promoção da Saúde), Paula Johns; e o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), João Dornellas.
Héber Carvalho