“Livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os livros mudam as pessoas”. Essa máxima do romano Caio Graco é a materialização da minha realidade e de muitos brasileiros que se libertaram da ordem social imposta a partir da leitura. Foram os livros que li na adolescência, quando era padeiro em Bom Sucesso, que expandiram minha visão de mundo e me fizeram dedicar a vida para transformá-lo.
O Brasil é um país de grandes escritores e escritoras. E partiu de um deles, o baiano Jorge Amado, quando exerceu o mandato de deputado federal, a iniciativa de incluir na Constituição de 1946 a imunidade tributária para a impressão de livros, revistas e jornais. Em 1988, os constituintes mantiveram a isenção na Carta Magna, incluindo, no seu artigo 150, “que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios criar impostos de qualquer natureza sobre o livro e a imprensa escrita”.
Em meio a tantos retrocessos, partiu do governo federal a proposta de romper com a tradição constitucional e submeter os livros à incidência da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) prevista no Projeto de Lei 3887/2020, do Poder Executivo. Fazendo parte da primeira parte da reforma tributária, a CBS teria alíquota de 12% e substituiria o PIS e a Cofins.
A justificativa para tal medida, apresentada pelo ministro Paulo Guedes, é mais uma pérola dos horrores a que estamos submetidos. Para ele, os pobres “estavam mais preocupados em sobreviver do que em frequentar as livrarias que nós frequentamos”. Como bem identificou a jornalista Cristina Serra, o ministro sofre de “aporofobia”, uma espécie de aversão raivosa aos pobres.
Considerar que livro é coisa de rico, por isso pode-se aumentar seus impostos, é mais uma frase que expressa seu preconceito de classe. Somam-se a ela suas falas recentes defendendo que trabalhadoras domésticas não poderiam ter o direito de viajar e que filhos de porteiros não merecem ter acesso ao ensino superior.
Segundo estudos elaborados pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros, caso seja instituída a taxação, ela representaria cerca de 60% do lucro bruto de uma editora e 50% do lucro de uma livraria. Isso seria ferir de morte um mercado que já passa por grandes dificuldades em consequência da entrada predatória de gigantes, como a estadunidense Amazon, que impõem seu poderio por meio da prática de dumping, numa concorrência desleal que vem destruindo o mercado e a cadeia do livro no Brasil.
Muitas linhas já escrevi neste espaço criticando o sistema tributário brasileiro e propondo mudanças. Mas elas são completamente antagônicas àquelas propostas pela equipe econômica, que vão também na contramão do mundo. O justo exemplo vem dos Estados Unidos, onde o presidente Joe Biden apresenta um plano ousado de investimentos estatais sustentados pelo aumento de impostos sobre grandes empresas e lucros.
Enquanto isso, no Brasil os super-ricos não pagam impostos e têm isentados seus jatinhos, iates e helicópteros. A intenção de taxar livros é mais um retrocesso praticado pela mesma elite atrasada que fez o país a ser o último a abolir a escravidão e um dos últimos a autorizar a impressão e a circulação de livros. A leitura liberta e emancipa, por isso causa tanto horror aos ditadores de plantão.
Publicado originalmente no jornal o Tempo