A inflação de alimentos é uma das sequelas da demolição institucional promovida por Bolsonaro deste 1º de janeiro de 2019. Um de seus primeiros atos foi a publicação da Medida Provisória 870, que extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). A medida foi confirmada pelo Congresso Nacional em setembro do mesmo ano, com 162 votos contrários e 299 favoráveis.
Em nota, a Ação da Cidadania, criada por Herbert de Souza, o Betinho, definiu a extinção como “um surrealismo ímpar na história do país”, pois a decisão foi tomada no mesmo ano em que o Brasil voltou ao Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU). O Brasil havia saído desse mapa em 2014, graças a uma intensa construção institucional promovida pelo governo de Luis Inácio Lula da Silva desde 2003, quando um de seus primeiros atos foi a criação do programa Fome Zero, junto com a reativação do Consea.
O Consea era um órgão de assessoramento à Presidência da República que tratava do controle social na formulação, execução e monitoramento da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Criado, em 1993, extinto em 1994 e recriado por Lula em 2003, o conselho tornou-se o espaço de diálogo do governo com a sociedade na elaboração participativa de políticas públicas.
A inclusão do direito à alimentação na Constituição, a aprovação da Lei Orgânica, da Política e do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o Plano Safra da Agricultura Familiar, a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica e o Programa de Aquisição de Alimentos e as compras institucionais de alimentos da agricultura familiar para escolas e outros órgãos públicos são algumas das propostas que surgiram em debates no Consea.
Favorecimento ao agronegócio
Agora, a destruição dos marcos institucionais promovida pelo desgoverno Bolsonaro atinge as famílias mais pobres, que sofrem para botar comida na mesa. Enquanto isso, exportadores e grandes produtores ganham dinheiro com estratégias que incluem exportação, redução do número de funcionários e até incentivos do governo. Vejam o desastre no gráfico acima, no caso do arroz.
Levantamento da Conab aponta que, no período da safra 2019-2020, foram produzidas 257,8 milhões de toneladas, sendo, a maior parte, soja, milho e algodão. Esse volume é 4,5% ou 11 milhões de toneladas superior ao da safra anterior. E em meio à pandemia de Covid-19, a demanda por alimentos está aquecida no mundo.
Não à toa, a JBS, maior produtora de proteína animal do mundo, teve lucro líquido recorde de R$ 3,4 bilhões, entre abril e junho deste ano, auge da pandemia. Salto de 54,8% na rentabilidade em relação ao mesmo período do ano anterior. A Camil, uma das maiores no ramo de alimentos da América do Sul, especializada no beneficiamento de arroz e feijão, mais do que dobrou o lucro líquido entre o primeiro trimestre de 2020 e o mesmo período de 2019: passou de R$ 49,8 milhões para R$ 109,5 milhões (120%).
Desde o início do ano, essas empresas vinham experimentando desempenho acima da média. “E melhorou nos últimos dias, quando a China, que, ao contrário da maioria dos países, registrou crescimento de 10% mesmo com a pandemia, comprou praticamente todo o estoque de arroz nacional. Mas a escassez interna e a alta dos preços só aconteceram porque o governo falhou. Não tinha suficiente estoque regulador”, destaca o economista Cesar Bergo, sócio consultor da Corretora OpenInvest.
Mais ricos lucram com a pandemia
O relatório ‘Poder, Lucros e Pandemia’, da Oxfam Brasil, destaca que as 32 empresas mais rentáveis do mundo obtiveram US$ 109 bilhões (mais de R$ 577 bilhões) a mais em lucros durante a pandemia do que a média nos quatro anos anteriores (2016-2019). Isso ocorreu porque “não reduziram riscos nas cadeias de fornecimento e usaram toda sua influência política para moldar as ações tomadas pelos governos para conter a crise”.
“Enquanto isso, a crise econômica global provocada pela pandemia deixa meio bilhão de pessoas no limiar da pobreza. Quatrocentos milhões de empregos não existem mais e 430 milhões de pequenos negócios estão sob risco de falência”, reforça a Oxfam Brasil.
Segundo Gustavo Ferroni, coordenador de Setor Privado e Direitos Humanos da organização, os efeitos da pandemia também foram desiguais no Brasil. “As empresas aqui tiveram resultados mais modestos, mas o modelo estrutural na direção dos negócios, para beneficiar uns poucos, foi o mesmo. A nossa legislação não tributa os dividendos. Ou seja, os mais ricos não contribuem sobre essa parte para o erário.”
Além da chamada solidariedade zero, as grandes pressionam por apoio governamental, empréstimos a juros baixos e interferem nas normas de regulação. “Enquanto a maioria da população perdeu emprego e renda e mais de 600 mil micro, pequenas e médias empresas já fecharam as portas, os 42 bilionários brasileiros tiveram sua riqueza aumentada em US$ 34 bilhões (mais de R$ 180 bilhões) durante a pandemia”, destaca.
O coordenador da Oxfam Brasil diz que a situação retrata o problema que já era encontrado antes da pandemia. O relatório avalia que no Brasil e no resto do mundo, o que ocorre hoje é o aprofundamento das medidas de austeridades pelos governos.
Para a Oxfam, é preciso que se priorize o apoio aos trabalhadores e a sobrevivência dos pequenos negócios. A ONG também defende a criação de um imposto sobre lucros obtidos durante a pandemia para impedir que se amplie a desigualdade. Ferroni afirma que este tipo de imposto já foi cobrado pelos países em outras crises, e que no Brasil isso ocorreu após a Segunda Guerra Mundial.
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