Venho a essa tribuna para mais uma vez denunciar um fato do nosso ponto de vista inaceitável, revelador da seletividade, impunidade, a maneira como o Conselho Nacional do Ministério Público e outros órgãos do sistema de justiça protegem crimes e ilegalidades cometidas por procuradores da chamada Operação Lava Jato, em especial pelo doutor Deltan Dallagnol.
Há quatro anos foi aquela famosa entrevista coletiva do PowerPoint. Na mesma semana a defesa do ex-presidente Lula fez uma representação no CNMP com um pedido de liminar. (…) Por mais inacreditável que seja, este tema entrou na pauta do CNMP mais de 40 vezes, 40 vezes a defesa se organizou, os advogados estiveram a postos e o tema foi retirado da pauta. Em 40 oportunidades. Em 14 de setembro o assunto prescreve”.
Esses foram os termos que utilizei na abertura do meu pronunciamento no Plenário da Câmara dos Deputados, no último dia 18 de agosto.
Uma resposta indignada a mais uma retirada de pauta pelo CNMP do processo movido naquele conselho contra Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato de Curitiba.
Curitiba a serviço dos EUA
Nos últimos anos, o quotidiano dos brasileiros se converteu num pesadelo de violência, de ameaças e de insegurança.
A república dos delatores, proclamada sob o aplauso dos setores privilegiados da sociedade, pela dobradinha Moro/Dallagnol, apresentada ao País como redentores das mazelas da corrupção, se converteu rapidamente na república do medo: o medo da Polícia Federal, o medo da Polícia Civil e Militar, o medo da Guarda Metropolitana, o medo das milícias, o medo do guarda da esquina, o medo do desemprego, da pandemia, o medo das instituições…
Convenhamos, essas não são precisamente características de um regime democrático.
Tem circulado há algum tempo pelas redes sociais, na mídia convencional e nos debates acadêmicos um considerável esforço de análise sobre o que se denomina Lawfare, no Brasil, suscitado pelas tropelias cometidas pelos procuradores da Lava Jato.
Um fenômeno mundial induzido pelos interesses geopolíticos dos Estados Unidos, que se utilizam do sistema de justiça dos países para desestabilizar governos, alcançar objetivos econômicos e políticos, como tem afirmado o dr. Cristiano Zanin Martins, advogado do ex-presidente Lula.
Quem controla o Ministério Público?
Ao longo dos últimos anos, os seguidores da Lava Jato dentro do Ministério Público repetem as mesmas práticas consagradas pela força-tarefa, protegidos pela invisibilidade, cobertos pelo manto da naturalização do arbítrio e pela cumplicidade dos órgãos de controle interno.
E reproduzem impunemente os mesmos efeitos deletérios disseminando-os pelo sistema de justiça até a última comarca do Brasil.
O volume “Lawfare em Debate”, organizado pelo professor dr Osmar Pires Martins Júnior, patrocinado pela Proifes-Federação e Adufg-Sindicato (Editora Kelps, Goiânia, 2020) contribui para informar e aprofundar essa discussão crucial em torno da defesa do Estado Democrático de Direito.
Conta com a contribuição de personalidades do mundo político, jurídico e acadêmico para lançar luz sobre o contraditório processo de erosão que contamina as instituições do Estado brasileiro desde a deflagração da Operação Lava jato.
O “Lawfare em Debate” revela que vai se constituindo no Brasil uma “subcultura” de arbitrariedades sucessivas utilizadas por agentes do Ministério Público como instrumento corriqueiro de luta contra eventuais adversários políticos.
Presenciamos a judicialização da política e a sistemática politização do exercício da justiça diante da indiferença dos órgãos corregedores.
Estado policial
O exercício da justiça, utilizado como ferramenta de interdição das legítimas aspirações políticas dos setores populares, veio dando forma nos últimos anos a um conjunto de distorções.
A mais emblemática delas: um mesmo organismo (o Ministério Público) investiga, formula a acusação, apresenta a acusação e, em alguns casos, em claro conluio com o juiz, se encarrega de construir a condenação prévia dos acusados com o prestimoso auxílio dos meios de comunicação.
Não há como negar que esse método configura um processo típico dos Estados policiais.
O Estado policial traz em si a vocação totalitária. É inerente a ele.
O exemplo mais recente que mereceu apreciação do Supremo Tribunal Federal na última semana foi o caso do “Dossiê dos antifascistas” produzido pelo Ministério da Justiça, já durante o governo Bolsonaro.
É nesse ambiente político que um instrumento concebido para defender a sociedade, por definição constitucional, contra as arbitrariedades do Estado – o Ministério Público – se converte numa poderosa corporação, imune a qualquer mecanismo de contrapeso a suas atribuições de investigação e acusação. Fora do controle democrático da sociedade.
Sem prestar contas de seus atos a qualquer instância, senão aquela exercida pelos próprios membros da corporação: o Conselho Nacional do Ministério Público.
Violação premeditada de reputações
Isso faz dele, hoje, um refúgio de arrivistas, desprovidos de vínculos efetivos com a defesa dos direitos da sociedade, que se dedicam a mover essa instituição do Estado contra os mais comezinhos direitos dos cidadãos, produzindo espetáculos midiáticos para destruir reputações, violando sistematicamente o Estado Democrático de Direito.
Deixa, assim, de ser uma ferramenta de defesa do cidadão para converter-se em escudo dos seus próprios membros.
Opera como uma “Cosa Nostra”, para proteger da necessária ação da justiça o “capo” Deltan Dallagnol e o “capo di tutti capi” Sérgio Moro, cerrando fileiras numa cruzada a serviço do projeto neofascista em curso no país.
É indispensável que o STF se pronuncie sobre a acintosa e prepotente recusa do Conselho Nacional do Ministério Público em examinar os recursos apresentados à sua apreciação, contra os crimes cometidos por Deltan Dallagnol.
A decisão da tarde desta terça-feira, indicando por maioria a prescrição dos crimes de Deltan Dallagnol, infelizmente confirma a parcialidade do CNMP ao protelar o julgamento, forçando a prescrição, mesmo com a manifestação de oito conselheiros indicando justa causa para instauração de PAD (Processo Administrativo Disciplinar).
No momento em que se rompe o vínculo de credibilidade entre o homem da rua, o cidadão comum e o sistema judiciário – e ele já não tem a quem recorrer – gera-se a insegurança jurídica e instala-se a barbárie.
É esse o propósito do Ministério Público?
*Paulo Pimenta é deputado federal (PT-RS) e presidente do Partido dos Trabalhadores no seu estado.
*Artigo publicado originalmente no Portal Viomundo