Retorno às aulas exige amplo debate e segurança, defende PT

Assim na educação como na saúde. Para o presidente Jair Bolsonaro, o que vale é semear o caos e a desordem, gerando um vazio de direção que imobiliza o Estado, as instituições, as entidades e as pessoas, e conduzindo ao “salve-se quem puder”. Os seis vetos que impôs à Lei nº 14.040, sobre a flexibilização do ano letivo em consequência da pandemia do novo coronavírus, são um exemplo desse modus operandi sociopata.

Publicada no ‘Diário Oficial da União’ desta quarta (19), quase um mês após a Medida Provisória (MP) 934/2020, que a originou, ter sido aprovada no Senado Federal (23/07), a lei foi desfigurada em aspectos fundamentais, parte deles ligado a repasses de verbas e auxílio técnico para estados e municípios.

Bolsonaro vetou artigos que obrigavam o governo federal a prestar auxílio financeiro e técnico aos sistemas estaduais e municipais de ensino na implementação das aulas a distância, utilizando a internet. Também vetou o auxílio federal para que esses sistemas possam adotar medidas voltadas ao retorno das aulas presenciais, quando for determinado pelos governos estaduais ou prefeituras. Em resumo, não ajuda nem a implantação de aulas a distância, nem a retomada das aulas presenciais.

A alegação é não poder participar do esforço extraordinário, já que o Orçamento de 2020 não previa esses gastos, e que a Emenda Constitucional (EC) 106/2020, o chamado “Orçamento de Guerra” para o combate à pandemia, “também não trata de dotações específicas”.

Bolsonaro vetou ainda o recebimento imediato, por parte dos pais de estudantes da rede pública, de gêneros alimentícios ou dos recursos financeiros que seriam utilizados na merenda escolar. O governo alega que o Estado “não tem como fiscalizar se recursos financeiros repassados serão, na totalidade, empregados na compra de alimentação”.

Também foi vetada a obrigação de as prefeituras de cidades com menos de 50 mil habitantes aumentarem de 30% para 40% do orçamento voltado à merenda escolar para a compra de produtos da agricultura familiar. O governo argumenta que a pandemia já dificulta o cumprimento da meta atual.

O artigo que obrigava o Ministério da Educação (MEC) a consultar as secretarias estaduais de Educação na definição da data do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foi outro ponto vetado. Segundo o governo, essa é uma prerrogativa exclusiva da União. Antes previsto para novembro, o Enem já foi adiado para janeiro e fevereiro de 2021.

Os vetos serão analisados pelo Congresso Nacional em data ainda a ser definida, podendo ser derrubados ou mantidos. Enquanto isso, os estragos estão feitos. Para os profissionais da Educação, essa é uma forma de Bolsonaro tirar qualquer responsabilidade das “costas” da União.

Em entrevista ao Portal UOL, o presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Luiz Miguel Martins Garcia, disse que a educação está completamente desassistida pelo governo federal. “O que ocorre é que a educação está fora da ajuda emergencial na crise”, afirmou. “O governo fecha as portas e impossibilita qualquer ação conjunta, o que é inconstitucional.”

Cláudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais, reforça as alegações de Garcia. “A Constituição é clara: cabe ao governo federal coordenar a política educacional no país”, argumenta.

Costin relatou que, em conversas com ministros da Educação da Argentina e da Alemanha, recebeu a confirmação de que eles coordenam a situação das aulas durante a pandemia, inclusive no que diz respeito às retomadas. “É como se o nosso governo não tivesse responsabilidade sobre essa coordenação”, aponta. “Um ministro na pandemia deveria pensar nisso de manhã, tarde e noite.”

O ministro da Educação, aliás, é um tal de Milton Ribeiro, um pastor-professor que tomou posse em 16 de julho falando em “resgatar a autoridade do professor em sala de aula”, após seu antecessor fugir do país na calada da noite. O quarto a ocupar o cargo em pouco mais de ano e meio de desgoverno Bolsonaro.

Enquanto isso, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou nesta quinta (20) pesquisa em que apontou que mais de oito milhões de alunos não tiveram atividades escolares em julho. O número corresponde a 19,1% dos estudantes de 6 a 29 anos. Eles não incluem os que estiveram em férias no período – segundo o IBGE, eram 4 milhões (8,9%). Outros 32,6 milhões tiveram acesso às atividades escolares (72%).

“A pesquisa mostra grandes diferenças entre as regiões do país. No Norte, quase 40% dos estudantes do ensino fundamental e quase metade dos alunos do ensino médio ficaram sem atividades escolares em julho”, afirmou a coordenadora da pesquisa, Maria Lúcia Vieira. “Quanto menor a renda da família, maior o percentual de estudantes que não tiveram atividades escolares durante a pandemia”, observa.

As aulas presenciais estão suspensas desde março em todo o Brasil e, na maioria dos estados, ainda não há previsão de reabertura das escolas. Apesar dos cinco meses de escolas fechadas, 79% dos brasileiros afirmam que elas devem continuar assim por mais dois meses, para não agravar a pandemia, segundo pesquisa Datafolha. Mais de 80% dos alunos do ensino fundamental e médio estudam na rede pública.

O MEC afirmou no início do mês que não sabia sequer quantos alunos tinham acesso às atividades remotas durante a pandemia. Um balanço divulgado pelo portal G1 apontou que 60% dos estados monitoram as atividades remotas. Os índices mostram que as aulas on-line não são acompanhadas por todos os alunos.

PT luta pela volta às aulas com segurança

Em seu perfil no Twitter, a presidenta nacional do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann (PR), expressou sua posição: “Bolsonaro é irresponsável! Vetou o projeto do Congresso que distribuía o dinheiro da merenda escolar para famílias de alunos carentes. Essa refeição é, em muitos casos, a mais importante que a criança tem no dia. É um governo medíocre!”, comentou a deputada federal pelo Paraná, que também publicou um vídeo falando sobre a pressão do governo federal pela volta descoordenada às aulas presenciais.

“Eu sei que para muitas famílias é difícil o fato de seus filhos não irem às aulas. Os próprios estudantes, os alunos, querem também voltar. E claro, o ensino à distância é muito difícil. A maioria das famílias das escolas públicas não tem condições de ter um equipamento em casa para terem aulas a distância. Não tem nem internet, às vezes nem computador ou nem telefone para que as crianças ou jovens acompanhar as aulas. Mas tenho certeza que a principal preocupação de todas as famílias e também dos trabalhadores em educação é com a vida e com a saúde”, disse a deputada.

Gleisi mencionou os mais de 110 mil mortos no país e os debitou à irresponsabilidade do presidente, que não preparou o país para enfrentar o coronavírus. “Ele sabia desde março que nós teríamos uma pandemia e ela chegaria ao Brasil, mas não organizou os governadores, não organizou os prefeitos, não fez um comitê gestor da crise e não falou com o pessoal da saúde. Pelo contrário, destratou todo mundo e ainda desdenhou da doença e da dor das pessoas.”

A presidenta do PT afirmou que é o ensino presencial que garante a qualidade da educação, pois a convivência social dos alunos e dos professores é fundamental para o desenvolvimento das crianças e dos jovens. Mas o partido é frontalmente contrário à volta às aulas sem um debate amplo, que leve em conta todas as partes envolvidas na questão. “Por isso, em breve será emitido uma resolução, explicando os motivos por que o partido é contra a volta as aulas sem segurança”, explicou.

“Esse é um tema que tem que ser debatido com responsabilidade, não à luz de posições políticas e do enfrentamento, ou da irresponsabilidade daqueles que governam o país”, concluiu a deputada.

Análise da Fundação Osvaldo Cruz com base na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS 2013), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com o Laboratório de Informação em Saúde (LIS) da Fiocruz, concluiu que a volta às aulas presenciais pode representar um perigo a mais para 9,3 milhões de brasileiros (4,4% da população) que são idosos ou adultos (18 anos ou mais) com problemas crônicos de saúde e que pertencem a grupos de risco de Covid-19. Isso porque eles vivem na mesma casa que crianças e adolescentes em idade escolar (entre 3 e 17 anos).

MST: “Volta às aulas na pandemia é crime”

Nesta quinta (20) o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realizou um ato público virtual em suas redes sociais para lançar a campanha “Volta às aulas na pandemia é crime”, em defesa da vida e da educação pública. A entidade denunciou os riscos do retorno às aulas no período de pandemia da Covid-19 para alunos, professores, famílias e as trabalhadoras e trabalhadores da educação.

Erivan Hilário, do Setor de Educação do MST, diz que os sem terra manifestaram a toda a sociedade, inclusive internacional, o posicionamento contrário ao retorno das aulas nesse período de pandemia. “Nos somamos às diversas iniciativas do movimento educacional brasileiro pelo não retorno às aulas neste contexto de pandemia, por compreendermos que as vidas precisam ser preservadas e o retorno às aulas significa a violação de direitos e um atentado à vida humana”, afirmou.

Coordenado pelo Setor de Educação e o Coletivo de Juventude do MST, o ato contou com a participação de diversas entidades e movimentos populares que atuam na área da educação, como a Campanha pelo direito à educação, União Nacional dos Estudantes (Une), Fórum Nacional de Educação do Campo (Fonec), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes) e Associação Nacional dos Centros de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (ANCED).

Paulo Henrique, do Fonec, afirmou ao portal ‘ Brasil de Fato’ que o objetivo da campanha é resguardar estudantes, professores e outros trabalhadores das escolas diante da pandemia. Ele ressalta que, em alguns territórios, os alunos e trabalhadores do segmento precisam se deslocar do campo para a cidade diariamente, o que traria um alto risco de alastramento da doença nas comunidades, com o retorno dessa população para casa.

Segundo a entidade, há mais de duas mil unidades educacionais que abrigam estudantes do campo em todo o país. “Essas escolas estão em áreas de assentamento, em acampamentos e tem as turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA), que estão espalhadas por todo o país. Aqui em Pernambuco, por exemplo, temos mais de 250 turmas de EJA em andamento na educação do campo. Isso representa um número gigantesco de educandos, sem contar com os profissionais de educação”, destaca Paulo Henrique.

Parceiros do MST também se juntaram à campanha e pedem o adiamento do calendário. É o caso da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), que conta hoje os 4.276 casos de Covid-19 entre os seus círculos, com 152 óbitos. Atualmente, 1.209 quilombolas infectados pelo vírus ainda estão em acompanhamento permanente.

“O que vai acontecer é o que já está ocorrendo em alguns lugares daqui e do mundo: vão voltar a alastrar radicalmente ainda mais a pandemia entre as pessoas, e ainda num contexto de ausência de políticas de saúde para as comunidades quilombolas. Vão fragilizar ainda mais os já fragilizados. É uma forma de extermínio desses grupos, por isso entendemos que a campanha é fundamental”, diz a líder quilombola Givânia Silva.

Por PT Nacional

 

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